sábado, 9 de maio de 2015

O Homem que me Fez

Foto dos meus pai e mãe - Mariano Belarmino e Gessi Costa
Texto de Joana Belarmino
Todo dia 1º de maio eu escrevo. Com as mãos, com os olhos, com o corpo todo embebido da saudade dele. Como se estivesse brincando com legos, procuro na memória pedaços da sua vida, refaço trilhas, conversas, silêncios, sofro de novo com as suas crises asmáticas, sorrio com o mundo fantasmático que ele despejava nos causos que contava.
Toda vez me surpreende a força e a meiguice com as quais ele fora tecido. Nasceu a 1 de maio de 1915, num mundo ainda assombrado com o pós-guerra, num pedaço de nordeste crestado de sol, Riacho Fundo, onde água era produto de luxo.
Ali o futuro dos homens estava cinzelado em poucas letras de pedra. Ser pobre, ser honesto, trabalhar, de sol a sol, nas terras dos latifundiários, que apadrinhavam seus filhos, apertavam suas mãos calosas, fiavam suas compras na feira de quarta-feira e ficavam com quase todo o seu lucro que saísse da terra.
Hoje me veio uma lembrança da infância. Estávamos nos anos sessenta. Localização, Angico Torto, um sítio perdido no município de Itapetim, alto sertão de Pernambuco. Um dia ele chegou em casa cansado da asma, a ira nos olhos, brigando pelo ar, gritando contra a injustiça. Apanhei a história aos bocados, com minhas mãos de menina pequena. Minha mãe se negara a votar no cabresto do fazendeiro, Joaquim Paulino da Silva.
O homem rico, dono do gado, dono da fazenda, veio a cavalo, interrompeu meu pai, na faina de fazer suas cercas. Pediu a casa de taipa. Pediu a terra. Engoliu de um sorvo irado, anos e anos de trabalho duro, de servidão, de valentia, de horas de conversas amenas, latifundiário e meieiro preparando juntos a terra para a plantação do milho.
A ventania no sertão é como um pássaro grande, batendo portas, retorcendo arbustos ressequidos, atirando para longe a poeira escura. Foi como um redemoinho, a ira de Joaquim, atirando meu pai com seus filhos, sua mulher e o voto insubordinado para longe da pequena casa agora vazia das suas crianças.
A vida do meu pai encerrou-se em 15 de maio de 1993. Oito dias antes, meu irmão, na uti do hospital, cantou-lhe um aboio, enquanto eu, perdida em lágrimas, segurava sua mão calosa e inerte.

Todo dia 1 de maio eu escrevo, tentando aplacar um pouco a saudade dele. Em vão, as palavras chegam, tisnadas de assombro, porque sentem que não são senão, uma quilha inútil, um vão que jamais abrirá novamente o caminho por onde eu possa correr, abrir porteiras, derrubar cercas, chegar de novo perto do meu pai.


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