Fonte: imagem adaptada de artenocorpo.com
Belarmino Mariano Neto
Antiquários envelhecidos arquitetam o olho do tempo, revestindo suas dependências de enigmas como se as soleiras do portal fossem amalgamas para uma ordem ou missão dos templários. Os antiquários são territórios do vivido, das memórias, das lembranças, dos esquecimentos e da senhora que pede passagem para o grande mestre que a todos consome.
Posso ver aquela mulher sentada na soleira da porta de entrada do velho casarão aparentemente desabitado. Uma construção do começo do século passado, com varandas semi-abertas, sustentadas por oito grossas colunas e quatro grandes janelas de madeira maciça pintadas com um verde envelhecido e que emolduram a parede da frente do casarão.
Os seus pés descalços tocam o piso do terraço, piso de um mosaico quadriculado em tons branco e vermelho muito desgastado. A porta também de madeira maciça e entreaberta representa um umbral com tons esverdeados e camadas descascadas de um azul interno, indicando sobreposição de uma pintura há muito tempo encoberta pelo verde sem vigor, muito mais fuligem, mofo e poeira, que a própria tinta.
Ela é a guardiã do templo e senhora do tempo. Uma mulher branca e manchada de sardas guarda em si o véu da virgindade sem maculas. Aparenta uns noventa e sete anos vividos, com os quais demarca o ritual de passagem pelo portal para adentrar o casarão dos seus próprios sonhos.
Pelo transparente e fino tecido de suas vestes, notei em seu corpo, uma gigantesca e enrugada tatuagem que representa a cartografia do desejo e as rotas da solidão. As linhas, as curvas e o sinuoso entrecruzado das mesmas, espalham-se pelos seus ombros, abdômen e costa, representando sentidos de subterrâneos sem começo, sem meio, nem fim.
As linhas da tatuagem cartografada em seu corpo, escorrem por todos os lados das suas coxas e pernas. Em tons de azul envelhecido, a finura das linhas tatuadas na sua pele, disputa espaço com o fino tecido do tempo, indicando sentidos desconexos, como se fossem garatujas de um passado distante. Escritos inelegíveis, configurações divergentes e sem pontos de partidas, confundem o sentido da visão.
Dos bicos dos seus seios, escorrem idéias de montanhas sulcadas e desgastadas pela erosão dos olhares masculinos e na couraça da sua pele, desnudam sinuosidades enrugadas que lembram rios intermitentes com intensa lixiviação.
A mulher em sardas, esconde em seu dorso símbolos e enigmas de um mapa desenhando e legendado por códigos desconhecidos. Talvez representando uma língua morta ou traçados feitos para confundir os aventureiros, encantando-os para sempre em um cego tatear de estrelas que já não existem mais. Observando o mapa de sua pele, percebi a existência de trilhas apontando para recônditos lugares e vazios abismáticos.
Em um suave e lento movimentar das suas mãos, observei o traçado de uma vida de longa solidão em seu destino. Uma vida de nevasca eterna, de fina e invisível areia escorrendo por entre os seus dedos delicados. Enroscados pelos seus antebraços, vi a figura de dois dragões sobrevoando sua alma, sua calma e sua alegria. Nos seus braços, duas serpentes alimentam-se da espera e do imprevisível. E, entre as cobras e os dragões, uma seqüência de desenhos tribais, como se representassem uma dança de imagens solares e lunares rodopiando pelo vazio enigmático do seu olhar.
Em seu corpo, uma cartografia de desenhos, arranjos e relações encobertos por pesadas camadas do tempo. Um tempo esfíngico mistura carne e pedra, dando forma à envelhecida mulher sentada na soleira daquele lugar. Naquele canto da casa, na porta de entrada. Ali, ela repousa o corpo na forra do portal e pelo clarão da manhã percebi que o casarão encontra-se totalmente destelhado, sem linhas, caibros e ripas.
O Céu com sua abertura de luz e atmosfera nua tocam os cantos do terraço do casarão e algumas colunas, inclinam suas sobras sobre as paredes envelhecidas do espaço oco. Num jogo fotográfico de luz e sombra, nuvens cinza cruzam o ilusório céu azul e, seguindo a rotação da Terra espalha sombras suaves pelo mosaico desgastado do terraço, marcado com invisíveis pisadas não se sabe de quem.
Por todo o seu corpo feminino, estão esculpidos os sulcos do tempo, manchas solares e cicatrizes de amores desfeitos, escombros de paredes descascadas em suas dezenas de camadas de tintas. O tempo escorre profundas rugas pela sequidão diária do seu corpo e nas entranhas de sua pele uma marca cicatrizada indica a cratera de uma grande queimadura que brota na altura do seu coração.
Esta mulher é o casarão habitado por ela própria. Sua carne se mistura com a pedra e o barro da construção, em uma cartografia de sentimentos e vazios que dão sentido a vida envelhecida. Seus olhos esverdeados e pesados marejam um olhar em sua face nua e o verde apagado da porta entreaberta lhe permite pedaços de sentidos de um olhar distante e vazio de presenças.
Com os últimos raios do sol, desce o anoitecer e ela levanta-se da velha soleira, entra no casarão destelhado e fecha a porta na própria face, levando consigo o que restava do tempo. Sem luz, o brilho esverdeado dos seus olhos, perdeu de vê de vez o que talvez não veja nunca mais.
Antiquários envelhecidos arquitetam o olho do tempo, revestindo suas dependências de enigmas como se as soleiras do portal fossem amalgamas para uma ordem ou missão dos templários. Os antiquários são territórios do vivido, das memórias, das lembranças, dos esquecimentos e da senhora que pede passagem para o grande mestre que a todos consome.
Posso ver aquela mulher sentada na soleira da porta de entrada do velho casarão aparentemente desabitado. Uma construção do começo do século passado, com varandas semi-abertas, sustentadas por oito grossas colunas e quatro grandes janelas de madeira maciça pintadas com um verde envelhecido e que emolduram a parede da frente do casarão.
Os seus pés descalços tocam o piso do terraço, piso de um mosaico quadriculado em tons branco e vermelho muito desgastado. A porta também de madeira maciça e entreaberta representa um umbral com tons esverdeados e camadas descascadas de um azul interno, indicando sobreposição de uma pintura há muito tempo encoberta pelo verde sem vigor, muito mais fuligem, mofo e poeira, que a própria tinta.
Ela é a guardiã do templo e senhora do tempo. Uma mulher branca e manchada de sardas guarda em si o véu da virgindade sem maculas. Aparenta uns noventa e sete anos vividos, com os quais demarca o ritual de passagem pelo portal para adentrar o casarão dos seus próprios sonhos.
Pelo transparente e fino tecido de suas vestes, notei em seu corpo, uma gigantesca e enrugada tatuagem que representa a cartografia do desejo e as rotas da solidão. As linhas, as curvas e o sinuoso entrecruzado das mesmas, espalham-se pelos seus ombros, abdômen e costa, representando sentidos de subterrâneos sem começo, sem meio, nem fim.
As linhas da tatuagem cartografada em seu corpo, escorrem por todos os lados das suas coxas e pernas. Em tons de azul envelhecido, a finura das linhas tatuadas na sua pele, disputa espaço com o fino tecido do tempo, indicando sentidos desconexos, como se fossem garatujas de um passado distante. Escritos inelegíveis, configurações divergentes e sem pontos de partidas, confundem o sentido da visão.
Dos bicos dos seus seios, escorrem idéias de montanhas sulcadas e desgastadas pela erosão dos olhares masculinos e na couraça da sua pele, desnudam sinuosidades enrugadas que lembram rios intermitentes com intensa lixiviação.
A mulher em sardas, esconde em seu dorso símbolos e enigmas de um mapa desenhando e legendado por códigos desconhecidos. Talvez representando uma língua morta ou traçados feitos para confundir os aventureiros, encantando-os para sempre em um cego tatear de estrelas que já não existem mais. Observando o mapa de sua pele, percebi a existência de trilhas apontando para recônditos lugares e vazios abismáticos.
Em um suave e lento movimentar das suas mãos, observei o traçado de uma vida de longa solidão em seu destino. Uma vida de nevasca eterna, de fina e invisível areia escorrendo por entre os seus dedos delicados. Enroscados pelos seus antebraços, vi a figura de dois dragões sobrevoando sua alma, sua calma e sua alegria. Nos seus braços, duas serpentes alimentam-se da espera e do imprevisível. E, entre as cobras e os dragões, uma seqüência de desenhos tribais, como se representassem uma dança de imagens solares e lunares rodopiando pelo vazio enigmático do seu olhar.
Em seu corpo, uma cartografia de desenhos, arranjos e relações encobertos por pesadas camadas do tempo. Um tempo esfíngico mistura carne e pedra, dando forma à envelhecida mulher sentada na soleira daquele lugar. Naquele canto da casa, na porta de entrada. Ali, ela repousa o corpo na forra do portal e pelo clarão da manhã percebi que o casarão encontra-se totalmente destelhado, sem linhas, caibros e ripas.
O Céu com sua abertura de luz e atmosfera nua tocam os cantos do terraço do casarão e algumas colunas, inclinam suas sobras sobre as paredes envelhecidas do espaço oco. Num jogo fotográfico de luz e sombra, nuvens cinza cruzam o ilusório céu azul e, seguindo a rotação da Terra espalha sombras suaves pelo mosaico desgastado do terraço, marcado com invisíveis pisadas não se sabe de quem.
Por todo o seu corpo feminino, estão esculpidos os sulcos do tempo, manchas solares e cicatrizes de amores desfeitos, escombros de paredes descascadas em suas dezenas de camadas de tintas. O tempo escorre profundas rugas pela sequidão diária do seu corpo e nas entranhas de sua pele uma marca cicatrizada indica a cratera de uma grande queimadura que brota na altura do seu coração.
Esta mulher é o casarão habitado por ela própria. Sua carne se mistura com a pedra e o barro da construção, em uma cartografia de sentimentos e vazios que dão sentido a vida envelhecida. Seus olhos esverdeados e pesados marejam um olhar em sua face nua e o verde apagado da porta entreaberta lhe permite pedaços de sentidos de um olhar distante e vazio de presenças.
Com os últimos raios do sol, desce o anoitecer e ela levanta-se da velha soleira, entra no casarão destelhado e fecha a porta na própria face, levando consigo o que restava do tempo. Sem luz, o brilho esverdeado dos seus olhos, perdeu de vê de vez o que talvez não veja nunca mais.
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