Apresentação
O tema da transversalidade na Sociologia ganhou alguma importância nas últimas décadas. Uma delas está no fato de contribuir para evitar o que Pierre Bourdieu chamou de “monoteísmo metodológico”. Se o objeto da sociologia é relacional, isto é, apenas existe a partir de um conjunto de relações das quais extrai suas propriedades fundamentais, então um dos desafios do sociólogo e do pesquisador é pensar relacionalmente: evitar a inclinaçãosubstancialista que percebe a realidade a partir de categorias autônomas e isoladas entre si – classes, grupos etc. – para privilegiar as relações dos espaços sociais entendidos em sentido multidimensional. É um procedimento teórico e metodológico que coloca a possibilidade de conectar pesquisas e áreas do conhecimento que estão separadas apenas aparentemente.
Assim, embora a transversalidade não possua a força e a importância das revoluções científicas descritas por Kuhn (2000), trata-se de um princípio teórico-metodológico capaz de relativizar a função dos paradigmas na Sociologia, na medida em que propõe confrontar temas, métodos e teorias isolados disciplinarmente entre si. E, nesse propósito, pode contribuir para a renovação de seu campo reflexivo e metodológico. É o que se espera do Seminário “Temas transversais em Sociologia”, promovido e realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) e pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Anarquistas (GEPAn), da Universidade Federal da Paraíba.
veja link ou continue lendo:http://www.cchla.ufpb.br/estudosanarquistas/
Os Estudos Anarquistas
Desde os anos 1980, o anarquismo tem ressurgido no cenário político e social assumindo cada vez mais formas múltiplas e amplamente diversificadas; autoreivindicando-se anarcoinssurrecionalista, anarcoprimitivista, anarcofeminista, anarcossituacionista, anarcoespecifista, anarcoplataformista, anarcoecologista, anarcoqueer etc. Os protestos contra a WTO, sobretudo aqueles de Seattle e de Gênova, mostraram a potência explosiva de que é capaz a articulação desses movimentos multifacetados.
Semelhante potência tem sido visível também no que concerne ao desenvolvimento do campo teórico do anarquismo contemporâneo. Aqui se encontram igualmente os mais variados domínios contra os quais se dirige a crítica anarquista: desde a esquerda tradicional à organização formal, passando pelas políticas identitárias, o conceito de civilização, de hierarquia, de capitalismo, de autoridade, de gênero, de desenvolvimento etc. Em razão dessa vasta “criticabilidade” das palavras e das coisas, foi possível recentemente associar a prática anarquista a novos conteúdos de saber tais como os encontrados no pós-estruturalismo, no pós-modernismo, nos estudos culturais e pós-coloniais, nos estudos de gênero e feministas, na teoria queer, nos estudos ambientais, ecologistas e de liberação animal etc.
A partir dessa extensa produção intelectual universitária, o anarquismo clássico encontrou-se novamente em pauta no debate acadêmico. Tal fato é particularmente evidente na atual experiência do Anarchist Studies Network (ASN:http://anarchist-studies-network.org.uk/HomePage), grupo inglês especializado nos estudos anarquistas vinculado à PSA-Political Studies Association. O ASN é coordenado pelos professores Ruth Kinna, que também é editora da revista inglesa Anarchist Studies, Alex Prichard, Jamie Heckert e Dave Berry. Em 1999, após os conflitos de Seattle, teve origem o Anarchist Studies Initiative (ASI: http://www2.cortland.edu/centers/CGIS/asi/about.dot), um projeto de estudos vinculado ao Center for Gender and Intercultural Studies da Universidade de Nova Iorque, com o propósito de figurar como um “centro acadêmico interdisciplinar no ensino superior dedicado a expandir o campo dos estudos anarquistas”. Além do ASI/SUNY, desde há alguns anos professores e pesquisadores interessados nos Estudos Anarquistas radicados no México, no Canadá e nos EUA se reuniram para formar a North American Anarchist Studies Network (NAAS: http://www.naasn.org), primeira rede norte-americana de Estudos Anarquistas.
A presença dos Estudos Anarquistas é cada vez maior no interior da universidade seja como objeto de estudo e pesquisa, seja como ferramenta de análise. Desde os anos 1990 uma forte preocupação com as temáticas anarquistas não cessou de atravessar o ambiente universitário, tornando a universidade um espaço para o surgimento de núcleos e grupos de pesquisa, para a aproximação e encontros entre pesquisadores, estudantes e interessados pelo tema. Insere-se nesse contexto a formação do Grupo de Estudos e Pesquisas Anarquistas (GEPAn:http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0083709AJV5CMX), vinculado ao Departamento de Ciências Sociais e ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba. Trata-se de um espaço de confluência entre estudantes, pesquisadores, professores e interessados nos Estudos Anarquistas e temáticas afins.
Finalmente, cumpre salientar o dossiê “Estudos Anarquistas Contemporâneos”, organizado pelos professores Nildo Avelino e Loreley Garcia para o número 36 recentemente publicado pela Revista Política & Trabalho (http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/politicaetrabalho), do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPB. O dossiê traz contribuições de professores e pesquisadores renomados e de instituições de ensino e pesquisa do país e do exterior, entre os quais: Judith Butler (USA), Ruth Kinna (UK), Saul Newman (UK), Salvo Vaccaro (IT), Daniel Colson (FR), Silvio Gallo (Unicamp), Margareth Rago (Unicamp).
Desta forma, é plausível afirmar que os Estudos Anarquistas têm se revelado um campo promissor de pesquisas e produção científica em diversas áreas do conhecimento, incluindo a Sociologia; e que têm se configurado como temática de pesquisa transversal, possibilitando reunir abordagens interdisciplinares e interacionistas. Razão pela qual o I Seminário Internacional “Temas transversais em Sociologia” tem por objetivo reunir professores e pesquisadores provenientes de universidades do país e do exterior em torno da temática dos Estudos Anarquistas. Seu propósito é articular um campo transversal de pesquisas já bastante consolidado no exterior, porém pouco articulado no Brasil. De modo a possibilitar, além disso, o estabelecimento de relações com outras pesquisas realizadas em diferentes domínios do conhecimento e a configuração de um espaço de confluência para a experimentação da transversalidade em Sociologia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário