sexta-feira, 8 de março de 2013

Ao Dia Internacional da Mulher


Geografia Cultural e Gênero: Mulher, Natureza e Trabalho.
Belarmino Mariano Neto

                               Fotografia de Érica Gomes da Costa Mariano, 8 de março de 2010

Sabemos que o dia 8 de março marca a luta e luto, pela violência contra as mulheres em todo o mundo. Daí começar esse artigo com o trecho de um poema escrito no Manifesto caleidoscópio da paixão poética pelo nada (http://essencialimo.blogs.sapo.pt) por considerar o campo de estudo da geografia cultural enquanto um universo multiplicador de possibilidades. Assim segue a idéia de mulher, sociedade e natureza enquanto marcas das ações humanas no espaço:

Quando ocupei o útero de Gaya ainda não era homem, mas apenas sonho. Gaya gerou do sêmen solar a luz da vida que germina em suas entranhas fecundas. Primeiro um pó de luz se espalhando pelos recantos e imaginários olhos de mulher, que chora, grita, e sorrindo cria nas profundezas do ser os cristais para o novo e despreendido movimento do nascer galáctico: o filho de uma nova idade, fluído de uma aromática essência de mulher que chorando se corta por dentro e sangra um avermelhado e violento momento matriarcal (MARIANO NETO, 1996:07).

            Esse trabalho é apenas um ensaio que se coloca enquanto brecha e linha temática para que estudos mais aprofundados aconteçam, pois a geografia assim como as demais ciências humanas e sociais precisa refletir sobre o papel da mulher enquanto existência de resignificado papel e desenho da cartografia social.

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora este produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. (Simone de Beauvoir, ‘O segundo sexo’, 1949).

            Quando propomo-nos relacionar a mulher com natureza, não é com a intenção de encontrarmos a “natureza feminina”, idéia de que a mulher possa estar mais próxima da natureza como se expressam em seu próprio corpo, “os ciclos naturais”, como se estes elementos fossem responsáveis pelo destino das mulheres.
            Muito mais que isso, a mulher é essa natureza humana em seu desenho civilizatório, o princípio básico do trabalho cotidiano, as imposições sócio-econômicas, éticas ou morais e a quebra dessas amarras por um movimento historicamente sedimentado na luta pelo destino em suas mãos e as feituras cotidianas de espaços e paisagens que marcam os significados do trabalho da mulher.
Tomando como base a sociedade ocidental, temos que os distanciamentos humanos da natureza a partir do trabalho criaram uma espécie de dicotomia, onde as diferentes sociedades que tomaram como base a acumulação ou pilhagem dos elementos naturais, afastarem-se da possibilidade de harmonia entre seres humanos e meio ambiente natural.
Mesmo sabendo que toda e qualquer coisa existente em nosso seio social, de forma material ou imaterial é em si natureza trabalhada. Assim é a construção do meio ambiente humano, enquanto natureza social, ou espaço artificial, e que muito nos interessa, pois nele, toda a cultura produzida com os elementos vivos que foram historicamente sendo manipulados pelos braços femininos (agricultura, domesticação, ervas, sementes, jardins, alquimia dos alimentos), poder que na Antigüidade sagraram a mulher como divindade, ou que no medievo concederam como bruxaria. Trabalho social, sexualmente bem definido que lhes dar o poder de manipular com a natureza, experimentos empíricos que tornaram as mulheres equilibradas de razão e emoção, mas reprimidas ou controladas pela força, encobrindo por milênios a fio, quem é que realmente mantém uma sociedade em pé e constrói uma civilização de “homens fortes”.
A mulher na construção desse cotidiano social vai contribuindo sobremaneira para na interface sociedade/natureza, pintar um quadro que muito se expressa nas grandes obras das civilizações. Com seu sorriso misterioso a mulher vai se construindo enquanto bruxa, fada ou feiticeira, enquanto filha do estupro ou aborto do medo, violação patriarcal do divino.

O homem aí diz que as mulheres precisam ser ajudadas para subir nas carruagens e carregadas para atravessar regos, a para ter o melhor lugar em todos os cantos. Ninguém nunca me ajudou para subir em carruagens ou passar por cima de lamaçais, para me ceder o melhor lugar - e não sou eu uma mulher? Olhai meu braço! Eu lavrei e plantei e armazenei em celeiros, e nenhum homem podia me ultrapassar - e não sou eu uma mulher? Pude trabalhar e comer tanto quanto um homem podia - quando tive a oportunidade - e agüentar chicote também! E não sou eu uma mulher? Tive treze filhos, e vi a maioria vendida como escravos, e quando chorei com minha dor de mãe, ninguém me ouviu, a não ser Jesus - e não sou em uma mulher? (TRUTH, Sojourner, ex-escrava, líder abolicionista, USA, séc. XIX).

            Nos dias atuais, a técnica/ciência tornou a terra em uma pequena aldeia global, grandes megalópoles abundam em vários cantos do planeta. É uma fase de forte artificialização do espaço, onde o distanciamento das coisas do meio ambiente natural e a simulação de novos arranjos criam um humano frio, de concreto, vidro e metal. Mas na sacada de um edifício com cinqüenta andares, no último dos andares, as vezes é possível ver com a ajuda de uma luneta um pequeno jarro de flores. Orquídeas, margaridas, dálias ou rosas. Terá sido o trabalho e sensibilidade de um homem?
            Não arriscaríamos responder esta simulação, para não torná-mos absolutistas ao extremo. Mas gostar-mos-ia de dizer que o que temos de natureza humana, e natural dentro da urbes, tem refletido em grande escala o trabalho da mulher. Basta olharmos para o verde nossos jardins e quintais, tão trabalhados pelos braços da mulher, hábito campestre que torna a cidade com ar de natureza em cada canto.
            Este tipo de trabalho reaproxima o humano da natureza, ou seja, na perda do instinto animal, o nascimento do sexto sentido, como sendo um emocional superior, alimentado pela imaginação e que se manifestam muito mais forte na mulher.
            Quando estamos em uma sala de aula com jovens estudantes, e ao nos aproximarmos da porta, interrogando-os sobre o que é isto? Os mesmos poderão responder, sem sombra de dúvidas que é uma porta. Mas instigados a ver mais coisas, via imaginação culturalmente acumulada, dirão que ali existe madeira, dobradiças, trincos, pregos. Ou seja, o material aparente.
            Mas se estimula-los ainda mais nessa imaginação podem ver que a porta representa prisão, liberdade ou segurança; que a porta feita de madeira ou outra matéria morte é antes de qualquer coisa um grande acumulo de trabalho individual e coletivo, primário, secundário e terciário. Ela é culturalmente, algo mais que uma palavra singular.
            Não é a porta que esconde a sua essência em significados, mas todo um conjunto de valores sociais que ideologicamente não querem que o trabalho coletivo seja desvendado, daí a busca de simplificação das coisas, e no mais, a desvalorização do que venha a ser trabalho para ou de mulheres, crianças e homens.
            Aí reside um dos grandes problemas de homens que acham ser a mulher uma singular palavra, como portas que podem ser fechadas ou abertas ao ritmo dos séculos de força e músculos tencionados.
            Concluímos esse pequeno ensaio dizendo que sem a leveza livre e suave dos cabelos ao vento e o caminhar descalço, sem as asas da paixão ou o voar de pássaros o nosso universo não teria um toque mágico de mulher, com tintas e cores tecidas no multicolorido amar incolor, que transpondo montanhas, sussurra em nossos ouvidos castelos encantados respondem pelas grandes transformações da sociedade que busca se humanizar em seu processo civilizatório.
Belarmino Mariano Neto, Guarabira, 8 de março de 2013.

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