quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

“A Geografia em tecidos mitológicos”


Por Belarmino Mariano Neto (belogeo@yahoo.com.br)

A palavra é possuidora de muitas forças forjadas nos recônditos de nossa mente, elas expressam pensamentos, expressam sentimentos e, expressam vontades. Este trivium é minha maneira de viver e ver o mundo do qual sou participante.

Todas as palavras são de um potencial sacro fantástico. Elas são imantadas de significados e interesses tão divinos que podem ser encontradas no mitológico mundo de Hesíodo em “os trabalhos e os dias” e esclareço a escolha deste filosofo grego, pois nele encontramos o mito de “Prometeu e Pandora” que começa dizendo: “oculto retêm os deuses o vital para os homens; senão comodamente em um só dia trabalharias para teres por um ano, podendo em ócio ficar; acima da fumaça logo o leme alojarias; trabalhos de bois e incansáveis mulas se perderiam” (HESÍODO, 2006, p.23).

A escolha do fragmento de idéias gregas, tão primitivas e civilizadas encosta nos nossos dias de trabalho e de ócio. Mas voltemos a Prometeu, pois lhe coube a dádiva de criação do homem, essa mistura de água, terra, ar e ocultos materiais divinos que lhes permitiram direcionar a face aos céus, se imaginando também um pouquinho deuses.

Vejam que estamos pensando em coisas essenciais que poderiam ser aqui representadas como elementos da natureza. Mas parece que na lógica da discórdia e na separação dos materiais, “o olho e o cérebro” (MEYER, 2002), preferem o cérebro matéria, memória expressa em neurônios e percepção visual da terra, do lugar ou do peso do firmamento.

Nesse momento, gostaria de invocar a mulher, pois “Pandora” parece ser o presente de grego, dádiva de Júpiter ao pobre Prometeu. Ela é um castigo de Júpiter e que atingirá de cheio a criação divina em forma de homem. Gostaria muito de colocar o irmão de Prometeu nessa parte da história que lhes conto, pois foi exatamente Epimeteu, quem recebeu Pandora enquanto um presente, do qual Prometeu suspeitava e desconfiava. Pandora trazia em sua caixa, muitos e irados problemas para os homens e estes problemas escaparam antes que Pandora houvesse fechado a sua caixa, restando apenas um cantinho de esperança no fundo das coisas.

Vejam que estamos vivendo mais uma vez à sórdida história das tragédias humanas e colocadas enquanto antecipação de fatos e fantasias tão divinas e tão humanas, com os quais nos tornamos homens mortais. Assim, as coisas estão caminhando em nosso mundinho. O uso in-devido das palavras, fortalecem contradições e expõem as entranhas de tradicionais forças que vivem em subterrâneas camadas do nosso cérebro. Hoje estava me perguntando: Pensamento, memória e o consciente são mesmo de que matéria? Pelo que mesmo estamos lutando em nossos dias? Em que darão estas brigas de Titãs?

É nesse sentido que invoco Hesíodo em “os trabalhos e os dias”, pois pelo que me consta, existem muito melindro e vaidade entre as divindades do olímpico. Por isso os homens e mulheres que não são deuses, mesmo tendo sido projetados com o mesmo material e designe das divindades, precisam trabalhar, mesmo que muitos prefiram o ócio e confusões divinas.

Por outro lado, “O Prometeu acorrentado” acha que Pandora trás em sua caixa todos os tipos de males, uma narrativa em que o ódio, a inveja e tudo mais, recairão sobre o homem e seu lugar. Vejo que as nossas relações estão até certo ponto, presas ao mito de Prometeu e Pandora.

Gosto da idéia de ser uma mortal e de ver meus dias consumidos pela vida, pela imprevisibilidade, assim me sinto tão divino quanto às crianças que brincam despreocupas do amanhã, mas sei das minhas correntes e assumo a condição “prométeica” de ter que trabalhar os dias, de planejar meus sonhos e de fazer acontecer.

Claro que o cérebro, processa necessidade imediata, reação instintiva e o frio na espinha quando se é surpreendido pelo latido do cão nas pernas. Mas passado o susto, recomposto o estado da racionalidade pura, será possível dialogar com as três maiores e invisíveis forças da natureza: Cronos (o tempo), Cosmo (o espaço) Caos (aqui traduzido com a incerteza).

Falo do tempo, pois ele é o grande senhor que a todos consome. No nosso caso, o tempo urge e precisamos ter clareza disso em nossas ações, pois depois que a areia escorre pelo fino gargalo da ampulheta, pouco se tem a fazer ou a espacializar de fato

Sobre a incerteza, acredito demais nela, é o corpo teórico com o qual gosto de trabalhar. Defendo inclusive que a vida é imprevisível, que “só há um ponto fixo”, como afirma Kafka e que é daí que precisamos partir.

Não acredito que o cérebro funcione apenas para transmitir e dividir o movimento das ondas neurais. Algo mais que motricidade e mecânica físico-química acontecem nesse órgão de seleção e ação. Meio que discordando de Bérgson citado por Meyer (2002), somos possuidores de memória pura antecedente e o que chamo de essência espiritual dos titãs. Assim justifico tão enfronhado texto de mitos, homens, mulheres e divindades.

Por isso, somos homens e mulheres mortais e sem culpas, nesse caso, conscientes dos papeis por nós assumidos entre “os trabalhos e os dias”, temos um poder reconhecido enquanto “lembrança pura”, transformada em “lembrança-imagem” (MAYER, 2002, p.24), e o conhecimento que podemos utilizar servirão para como Hercules, libertamos prometeu das correntes, pois sua luta foi conquistar o fogo para os humanos e por tal façanha foi acorrentado.

O lugar como um detalhe abre espaço-tempo para o uso da inteligência coletiva (LÉVY, 2000) e para a constituição de laços sociais e relações com o saber dos quais temos profundo censo de justiça, ética e mais uma vez inteligência coletiva. Esse é o espaço que precisamos geograficamente refletir.



Referências:

HESÍODO. Os trabalhos e os dias. (Traduz. LAFER, M. C. N.). São Paulo: Iluminuras, 2006.

LÉVY, Pierre. A Inteligência coletiva – por uma antropologia o ciberespaço. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

MEYER, Philippe. O olho e o cérebro – biofilosofia da percepção visual. São Paulo: Ed. Unesp, 2002.

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