Texto de Joana Belarmino,
Podia ser um professor, um orador de praça pública, um publicitário. Escolheu, ou foi escolhido pela vida, para ser um vendedor de camarões.
Não sei onde mora, como se veste, qual a cor da sua pele, em que recipiente leva os seus camarões. Mas torno-me presa do som da sua voz, quando ele passa pela minha rua, a meio da manhã de sábado, passagem tão breve como se fosse um pássaro exótico, a exibir sua plumagem, seu canto ao mesmo tempo rústico e belo.
Que circunstâncias cósmicas, ou casualmente improváveis fazem com que a manhã silencie, o vento se acalme, a rua refaça sua acústica, para a sua passagem, o seu apelo, composto apenas por três inserções, entre curtas pausas?
Quanto tempo, quanto sol, quanta pescaria terão sido precisos para o aperfeiçoamento da sua invenção, palavra única, cuja força máxima em empregada na última sílaba, que fica reverberando nas janelas, nas esquinas, nos espíritos?
“camarou, camarou, camarou”, prega o homem, uma discreta sombra de til na última sílaba, a força e a integridade da voz a exibir-se a uma manhã pasmada com a beleza daquela cena rude.
Eu também, paralisada, degusto aquele som, procuro na fala alguma imperfeição, resquícios de um pigarro. Nada empana aquela cena, feita para um palco aberto, onde os espectadores é que estão por trás das portas, das janelas, das cortinas.
“Camarou, camarou, camarou”. Já ultrapassou a praça das muriçocas, e aqui dentro, recolho a minha vontade de correr à rua, abordá-lo, examinar seus camarões, contar meu dinheiro, entregar-lhe algumas cédulas e pedir-lhe a mercadoria da sua palavra inventada, para temperar um postal da minha rua, uma canção de sábado, uma prece ao trabalho.
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