quinta-feira, 27 de junho de 2013

“Caçadores de botijas”

Imagem: Belarmino Mariano Neto, Pilões/PB - 2009.


Vanderley de Brito (Historiador)
Belarmino Mariano Neto (Geógrafo) 

Este pequeno ensaio é apenas o despertar para pesquisas mais aprofundadas sobre um tema que aguça a imaginação humana. Os segredos, enigmas que permeiam a imaginação popular dos sertões e carrascais nordestinos. Os arrancadores de botijas, o sonho com almas e tempos passados. Essa imaginação futura de fortuna enterrada em tempos pretéritos e a cobiça de enriquecer, saindo da condição de pobreza absoluta para em uma espécie de sorte grande melhorar de vida. Isso remonta a ideia do “El Dourado”, a tentação do ouro em moedas, estatuetas maciças e caixas em madeira de lei guardadas a sete chaves e cobertas pelo véu do tempo e do desconhecido.
A pergunta é sempre a mesma, o que existe de verdade e de lenda por entre essa seara dos contadores de histórias e casos enigmáticos que a memória sertaneja teima em resgatar?
            O termo botija, entre as comunidades rurais nordestinas, significa tesouros ocultos, representados por moedas e objetos de ouro e prata confinados em potes cerâmicos enterrados no solo, ou escondidos no interior de paredes de casas velhas. Estes cabedais teriam sido deixados pelos holandeses, jesuítas ou por ricos fazendeiros que temiam serem roubados, e estariam à espera de seus respectivos afortunados escolhidos pelas almas guardiães.
Os tesouros teriam ficado guardados por décadas até um escolhido receber, através de sonho, a indicação do local onde se encontrava oculto um destes. Esta revelação tinha caráter sobrenatural e o ato de resgate era cercado de regras cerimoniais indispensáveis.
            Segundo os folclóricos relatos no meio rural, geralmente, o resgate devia ocorrer à meia noite e o afortunado deveria ir sozinho. Munido de pá, picareta, orações, velas e talismãs para arrancar a botija, pois o tesouro só era encontrado por aquele a quem foi destinado. Este, se não cumprisse fielmente a operação cerimonial e seguisse corretamente os sinais, o tesouro transformava-se em formigas, trapos, carvão e cinzas ou simplesmente desapareceria. Caso enviasse um substituto, este não o encontraria.
            Para o processo de resgate era necessário que o anunciado tivesse muita coragem, pois era comum aparecer almas e demônios para impedir a escavação. Outro ponto importante que deveria ser seguido era que o afortunado, após arrancar a botija, se mudasse para outra região. Assim ficavam livres das almas e poderia desfrutar das riquezas deixadas pelos habitantes do além. Claro que os tesouros guardados pelos avarentos, precisavam ser desenterrados, pois estes descobriam que não precisariam de tais fortunas na outra vida, mais só conseguiriam cruzar os umbrais do mundo astral depois que se desapegassem das materialidades mundanas.
É comum encontrarmos pessoas no meio rural afirmando que certo fulano teria arrancado uma botija e desaparecera dali. Muitos agricultores contam em noites de luas as famosas histórias de Trancoso, nas quais o universo imaginário dos ouvintes fica repleto de um misto de medo, magia e credo no contado. A história oral e a memória dos velhos que vivem nos sertões rurais da Paraíba e acreditamos de todo o Nordeste brasileiro, estão repletos de casos em que alguém um dia tenha sido visitado em sonho e que uma botija estava esperando para ser arrancada. Os locais geralmente guardam traços de antigas moradas, porteiras, fundos de galpões, casas de farinhas abandonadas, taperas ou grandes pés de juazeiros que serviam de sobra para o gado das fazendas.
Como filhos de sertanejos, ouvíamos atentos os mais velhos contando tais histórias e casos acontecidos com os mais velhos de nossas famílias ou das vizinhanças. Sabemos também que os povos indígenas da nossa região seguiam alguns rituais fúnebres, nos quais enterravam as cinzas dos seus mortos em urnas ou potes cerâmicos e muitos agricultores contam pelas bandas do agreste e brejo que arrancavam grandes potes, mas só encontravam cinza e carvão. Esse fato despertava ainda mais a intrigante mística de que as botijas haviam sido encantadas, pois eles não seriam as pessoas escolhidas para arrancá-las ou simplesmente porque estavam na presença de mais pessoas enquanto trabalhavam na roça.
É certo que estes tesouros de fato existiam e que ainda podem existir. Segundo nos consta, a notificação mais antiga de botija em território paraibano data de 1729 quando o ouvidor geral da Capitania Real da Parhayba, João Nunes Souto, envia ao rei D. João V uma carta sobre o suposto achado de uma botija contendo coisas de valor, que havia sido enterrada durante a ocupação holandesa na fazenda de Leonardo Pires de Gusmão. Este documento consta no Arquivo Ultramarino de Lisboa. Contudo, não sabemos se o processo de anunciação e resgate, no campo do sobrenatural tenha sido realmente fato ou folclore.
Infelizmente, muitos acreditam que as inscrições rupestres existentes nos rochedos da Paraíba sejam indicativas de botijas e assim, escavam a base destas pedras em busca do suposto cabedal destruindo a organização estratigráfica de sítios arqueológicos descontextualizando os vestígios existentes. Um prejuízo incalculável para a ciência arqueológica e uma decepção para o caçador de tesouros. Pois, o máximo que poderá exumar nestes locais são ossos velhos, carvões, esteiras apodrecidas, lascas de pedras e cacos de barro cozido. Vestígios de primitivas sociedades desprovidas da cobiça e desejo de riquezas.


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