Imagem: Belarmino Mariano Neto, Pilões/PB - 2009. |
Vanderley de Brito (Historiador)
Belarmino Mariano Neto (Geógrafo)
Este pequeno ensaio é apenas
o despertar para pesquisas mais aprofundadas sobre um tema que aguça a
imaginação humana. Os segredos, enigmas que permeiam a imaginação popular dos
sertões e carrascais nordestinos. Os arrancadores de botijas, o sonho com almas
e tempos passados. Essa imaginação futura de fortuna enterrada em tempos
pretéritos e a cobiça de enriquecer, saindo da condição de pobreza absoluta
para em uma espécie de sorte grande melhorar de vida. Isso remonta a ideia do “El Dourado”, a tentação do ouro em
moedas, estatuetas maciças e caixas em madeira de lei guardadas a sete chaves e
cobertas pelo véu do tempo e do desconhecido.
A pergunta é sempre a mesma,
o que existe de verdade e de lenda por entre essa seara dos contadores de
histórias e casos enigmáticos que a memória sertaneja teima em resgatar?
O termo
botija, entre as comunidades rurais nordestinas, significa tesouros ocultos,
representados por moedas e objetos de ouro e prata confinados em potes
cerâmicos enterrados no solo, ou escondidos no interior de paredes de casas
velhas. Estes cabedais teriam sido deixados pelos holandeses, jesuítas ou por
ricos fazendeiros que temiam serem roubados, e estariam à espera de seus respectivos
afortunados escolhidos pelas almas guardiães.
Os tesouros teriam ficado guardados por décadas até
um escolhido receber, através de sonho, a indicação do local onde se encontrava
oculto um destes. Esta revelação tinha caráter sobrenatural e o ato de resgate era
cercado de regras cerimoniais indispensáveis.
Segundo
os folclóricos relatos no meio rural, geralmente, o resgate devia ocorrer à
meia noite e o afortunado deveria ir sozinho. Munido de pá, picareta, orações,
velas e talismãs para arrancar a botija, pois o tesouro só era encontrado por
aquele a quem foi destinado. Este, se não cumprisse fielmente a operação
cerimonial e seguisse corretamente os sinais, o tesouro transformava-se em
formigas, trapos, carvão e cinzas ou simplesmente desapareceria. Caso enviasse
um substituto, este não o encontraria.
Para
o processo de resgate era necessário que o anunciado tivesse muita coragem,
pois era comum aparecer almas e demônios para impedir a escavação. Outro ponto
importante que deveria ser seguido era que o afortunado, após arrancar a
botija, se mudasse para outra região. Assim ficavam livres das almas e poderia
desfrutar das riquezas deixadas pelos habitantes do além. Claro que os tesouros
guardados pelos avarentos, precisavam ser desenterrados, pois estes descobriam
que não precisariam de tais fortunas na outra vida, mais só conseguiriam cruzar
os umbrais do mundo astral depois que se desapegassem das materialidades
mundanas.
É comum encontrarmos
pessoas no meio rural afirmando que certo fulano teria arrancado uma botija e
desaparecera dali. Muitos agricultores contam em noites de luas as famosas
histórias de Trancoso, nas quais o universo imaginário dos ouvintes fica
repleto de um misto de medo, magia e credo no contado. A história oral e a
memória dos velhos que vivem nos sertões rurais da Paraíba e acreditamos de
todo o Nordeste brasileiro, estão repletos de casos em que alguém um dia tenha
sido visitado em sonho e que uma botija estava esperando para ser arrancada. Os
locais geralmente guardam traços de antigas moradas, porteiras, fundos de
galpões, casas de farinhas abandonadas, taperas ou grandes pés de juazeiros que
serviam de sobra para o gado das fazendas.
Como filhos de sertanejos,
ouvíamos atentos os mais velhos contando tais histórias e casos acontecidos com
os mais velhos de nossas famílias ou das vizinhanças. Sabemos também que os
povos indígenas da nossa região seguiam alguns rituais fúnebres, nos quais
enterravam as cinzas dos seus mortos em urnas ou potes cerâmicos e muitos
agricultores contam pelas bandas do agreste e brejo que arrancavam grandes
potes, mas só encontravam cinza e carvão. Esse fato despertava ainda mais a
intrigante mística de que as botijas haviam sido encantadas, pois eles não
seriam as pessoas escolhidas para arrancá-las ou simplesmente porque estavam na
presença de mais pessoas enquanto trabalhavam na roça.
É certo que estes tesouros
de fato existiam e que ainda podem existir. Segundo nos consta, a notificação
mais antiga de botija em território paraibano data de 1729 quando o ouvidor
geral da Capitania Real da Parhayba, João Nunes Souto, envia ao rei D. João V
uma carta sobre o suposto achado de uma botija contendo coisas de valor, que
havia sido enterrada durante a ocupação holandesa na fazenda de Leonardo Pires
de Gusmão. Este documento consta no Arquivo Ultramarino de Lisboa. Contudo, não
sabemos se o processo de anunciação e resgate, no campo do sobrenatural tenha
sido realmente fato ou folclore.
Infelizmente, muitos
acreditam que as inscrições rupestres existentes nos rochedos da Paraíba sejam indicativas
de botijas e assim, escavam a base destas pedras em busca do suposto cabedal
destruindo a organização estratigráfica de sítios arqueológicos
descontextualizando os vestígios existentes. Um prejuízo incalculável para a
ciência arqueológica e uma decepção para o caçador de tesouros. Pois, o máximo
que poderá exumar nestes locais são ossos velhos, carvões, esteiras
apodrecidas, lascas de pedras e cacos de barro cozido. Vestígios de primitivas
sociedades desprovidas da cobiça e desejo de riquezas.
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