Postado por:
Texto do Promotor Marcos Paulo Miranda - MG
Minas Gerais tem o seu próprio nome ligado à mineração, atividade que durante o apogeu do ouro e do diamante sustentou, em boa parte, a economia de Portugal. Nos dias de hoje, sem a fartura de pedras e metais preciosos, o minério de ferro é uma das bases da economia do Estado. Mas um lado funesto decorrente das atividades minerárias ao longo de mais de três séculos de exploração é ainda pouco conhecido: a perda de vidas humanas e a destruição do meio ambiente em episódios recorrentes na história do povo mineiro.
Tratando sobre a extração de ouro no Morro de Pascoal da Silva, em Vila Rica, em 1717, o Conde de Assumar deixou registrado em seu diário que os negros faziam “huns buracos mui profundos aonde se metem, e pouco a pouco vão tirando a terra para a lavar; porém esta sorte de tirar ouro he mui arriscado, porque sucede muitas vezes cahir a terra e apanhar os negros debayxo deitando-os enterrados vivos”.
O Barão de Langsdorff, ao percorrer região de Mariana em 1824, registrou: “passamos por um vale pobre e árido, por onde ocorre o rio São José, turvo pela lavação do ouro e em cujas margens se veem montes de cascalhos, alguns até já cobertos de capim. É difícil imaginar uma visão mais triste do que a deste vale, outrora tão rico em ouro”.
Em meados de 1844, na Mina de Cata Branca, município de Itabirito, à época alvo da exploração aurífera por uma empresa britânica, houve o desabamento da galeria explorada e soterramento de dezenas de operários escravos. Segundo os registros, dias depois do acidente ainda eram ouvidas vozes e gemidos dos negros em meio aos escombros. Ante a dificuldade de resgate, foi tomada a decisão de se desviar um curso d’água para inundar a mina, matando os pobres trabalhadores sobreviventes afogados, ao invés de espera-los morrer de fome.
Sobre o fato, José Pedro Xavier da Veiga deixou registrado nas suas célebres Efemérides Mineiras: “E lá estão enterradas naquele gigantesco túmulo da rocha as centenas de mineiros infelizes, que encontraram a morte perfurando as entranhas da terra para lhe aproveitar os tesouros. A mina conserva escancarada para o espaço uma boca enorme rodeada de rochas negras e como que aberta numa contorção de agonia”.
Em 21 de novembro de 1867, na Mina de Morro Velho, em Nova Lima, um desabamento matou dezessete escravos e um trabalhador inglês. Dezenove anos mais tarde, em 10 de novembro de 1886, a história se repetiu em Morro Velho. Mais recentemente, rompimentos de barragens nas minas de Fernandinho (1986) e Herculano (2014), em Itabirito; Rio Verde (2001), no Distrito de Macacos, em Nova Lima; e da Mineração Rio Pomba (2008), em Miraí, redundaram em dezenas de outras mortes e prejuízos irreversíveis ao meio ambiente.
No último dia 05 de novembro de 2015, em Mariana, o rompimento de duas barragens da empresa Samarco soterrou quase integralmente o Distrito de Bento Rodrigues, ceifou vidas, destruiu dezenas de bens culturais e danificou de forma severa os recursos ambientais de vasta extensão da Bacia do Rio Doce. Todos sabem que a história é mestra da vida e os fatos adversos por ela registrados devem servir de alerta para o futuro, para que os erros não sejam repetidos.
O aprendizado com os equívocos de antanho deveria impor ao setor minerário da atualidade uma completa mudança de paradigmas. Afinal, temos condições de sermos autores da nossa própria história e não podemos admitir a repetição reiterada desses desastres como algo normal, inerente às atividades econômicas de Minas Gerais.
Entretanto, percebemos que ainda se avultam as inconsequentes condutas induzidas pela ambição do lucro fácil e pelo desdém aos direitos alheios, não raras vezes secundadas pela omissão ou incompetência de autoridades públicas responsáveis pelos processos de licenciamento ambiental, que se contentam com a adoção de tecnologias ultrapassadas em empreendimentos de alto risco, que raramente são fiscalizados.
A anunciada flexibilização do licenciamento ambiental pelo Governo de Minas, com o nítido propósito de beneficiar, entre outros, o seguimento dos empreendimentos de mineração, segue na contramão do que a sociedade mineira espera e precisa: segurança e respeito aos seus direitos.
É hora de dizer um basta.
.
Marcos Paulo de Souza Miranda, coordenador da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
Em:
http://saudedomeio.com.br/
.
Veja uma compilação de artigos. SUGESTÕES, indique nos comentários.
.
Tragédia em Mariana mostra que barragens são bombas armadas
http://
A lama da Samarco e o jornalismo que não dá nome aos bois
http://outraspalavras.net/
O Mito da demora no Licenciamento Ambiental
http://
Quem é Quem nas Discussões do Novo Código de Mineração
Clarissa Reis Oliveira para o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração
http://ibase.br/pt/
Mar de lama, literalmente
http://
A Tragédia das Barragens da Samarco e o Licenciamento Ambiental Ineficiente, Burocrático e Mercantilizado
http://
Minas Gerais: onde estão Ana Clara, Mateus, Yuri e Thiago?
Tragédia em Minas não terá sua “foto de criança síria”; postura das autoridades e da imprensa, até agora, é protocolar, sem empatia com a população atingida
http://outraspalavras.net/
Licenciamento de barragem em Mariana está vencido há dois anos
http://oglobo.globo.com/
Ambientalistas querem maior rigor em novo código de mineração
http://
Basta! Chega de mortes, destruição e sofrimento para saciar a voracidade da mineração!
http://
Governo de Minas Gerais perdoa 120 mil multas ambientais
http://
Fotos revelam rachadura em outra barragem em Mariana
http://g1.globo.com/
Da lama ao caos: o País que não queremos
http://
Rompimento de barragem pode impactar vida marinha por cem anos
http://
“Lama de Mariana pavimentou rios por onde passou. Dano é irreversível”
http://
O rompimento da barragem da Samarco e a enxurrada de culpados
http://
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário