quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O POTE GEOGRÁFICO










Belarmino Mariano Neto belogeo@yahoo.com.br

Uma coisa que considero particularmente interessante é o pote. É uma dessas coisas que acompanham a civilização humana desde seus primórdios, o pote guarda em se toda a humanidade, desde quando ela começou a ocupar os vales argilosos das bacias hidrográficas planetárias. E para se chegar a este estágio, foi preciso construir muitas formas de ocupar os pântanos e planícies da morfologia terrestre, até porque, estes ambientes, eram áreas vitais de disputas territoriais entre as diferentes espécies de animais que precisavam de água para tocar a vida encadeada pelo alimento, sólido, líquido e gasoso que muitas vezes era arrancado na carne viva dos outros corpos que davam sentido a esta cadeia de necessidade da vida.
O pote é aparentemente um trabalho das mãos, uma arte do simples amassar a argila e lhe dar a forma de pote. Um pote não é tão simples quanto parece, aquele amontoado de fina argila, que guarda no vazio de sua forma a função de guardar água.
Vejo em um pote, um complexo processo de construção. A escolha da argila, os experimentos, as texturas, a dureza e sua plasticidade.Vejo no pote o complexo sistema da natureza humana a associada aos princípios primários da natureza.
O pote guarda em sua materialidade toda a filosofia Pré-Socrática dos quatro elementos (terra, água, fogo e ar) além do elemento vida como interrelacionados e interdependentes. A única falta de um destes, impediria a construção do pote. O pote é um ecossistema sociocultural. O pote guarda em sua gênese os princípios de interdependência plástica.
Cada pote é uma coisa única, por mais perfeita que seja a arte do oleiro, este não faria o mesmo pote duas vezes. E mesmo que na sua memória guarde o mapa mental do pote original, nunca mais fará o pote mesmo da sua cabeça, nem o pote real, nem o original das escrituras mentais do feito.
Cada pote guarda em si a experiência única de ser feito pote. O pote em sua feitura, guarda o sacrifício da lenha que gerou o fogo e que ao ser queimada(o), tanto o pote quanto a lenha, libertaram de si seus gases, suas novas formas materiais e a umidade de suas águas.
A argila que antes de pote, aceitava ser batida, sovada, amassada, agora na forma de pote se torna cristal rochoso, perdendo flexibilidade e ganhando rigidez. Esse estrutural que agora se sustenta basicamente em uma única coluna, plana e horizontal que ganha o sentido de fundo do pote e que é base desse todo. As colunas que edificaram o pote estão na mente, nas mãos e no vazio que o oleiro lhe impôs enquanto forma e fazer.
O pote só tem sentido enquanto vazio, se puder ser cheio de um sentido de água, vinho, azeite ou grãos. Sem isso, o sentido do pote é seu vazio que se enche de ar. Ou seja, o sentido exterior do pote é a sua forma estética ou plástica. Sem ela não se construiria o sentido interno do vazio do pote.
O pote não é trabalho para qualquer um. Um pote pede a experiência do oleiro. Da mente as mãos, dos pés a sensibilidade. O equilíbrio e o domínio no ponto da argila, nem muito mole, nem muito dura, mas no ponto de cada um dos oleiros.
O pote guarda em sua forma de pote um jeito de universo aberto, mesmo que tenha uma tampa. Depois de feito, o pote precisa passar pela cura, cheio de água em seu vazio, vai chupando a água pelos poros de sua parede demonstrando um sistema completamente aberto, no qual a argila bebe a água.
A água vai preenchendo os vazios da parede argilosa do pote até sair para a superfície, ganhando no vazio do mundo a sua condição de liberdade. Uma experiência que mexe com o sentido da estrutura do pote, tão sólida e aparentemente fechada em sua plástica.
Você ver o pote suando, transpirando e vertendo ou minando a fina água que se guardava na concreta, aparente e impenetrável materialidade do pote.
Não posso esquecer o quanto o pote é frágil em sua estrutura de barro, na permanente possibilidade de se quebrar, transformando-se em cacos; outra lembrança são os limites impostos pela parede do pote; o espaço do pote no espaço da casa, locus em que se encontra o pote; a forma do pote em sua base, cintura, pescoço e boca que aceita tudo que lhe queiram colocar, pois é da natureza do pote admitir em seus limites que lhe encham do sentido que queiram desde que consigam lhe enfiar boca adentro, pois sua boca é o limite.
Gosto muito da seguinte cena: uma mulher de estrutura média, pele morena ou queimada pelo sol com uma barrida carregada de lua cheia que carrega em si mais ou menos oito meses e meio de gravidez, subindo uma ladeira com uma criança de mais ou menos um ano e meio escachada em seu quadril esquerdo; uma rodilha de pano e um pote cheio de água em seu vazio.
A mão esquerda segura o filho, a direita corta e conta o vazio do tempo dos passos para equilibrar a barriga, o menino escanchado, o pote na rodilha e a rodilha na cabeça.
Tudo isso guarda um complexo e dinâmico processo de diferentes e correlacionados equilíbrios. É esse simples equilíbrio que dá sentido ao complexo do pote em seu todo de esferas e círculos em paredes de argila que dão sentido ao vazio que busco como sentido.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindíssimo texto.
Lembro de uma artista plástica mineira que desenhava potes... e múmias... o corpo é um pote...um pote de gente...

estudio11.blogspot.com

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