sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Relatório da oficina África - “O conhecimento da Geografia Africana através de elementos artísticos”

Prof. Dr. Belarmino Mariano Neto (belogeo@gmail.com)

Na oficina se usou elementos rochosos (seixos), potes de cerâmica vermelha, peneiras de cipó, brinquedos artesanais e outros objetos cerâmicos de diferentes tamanhos, distribuídos em um sistema circular. A sala de aula foi transformada em um grande circulo para que todos os participantes pudessem interagir a partir dos vários objetos expostos no chão da sala.
Foram tratadas questões como o espaço-tempo; sociedade-natureza; paisagem; território, região e meio ambiente que estavam relacionados com o continente africano e com o Brasil.
Dois pequenos textos sobre o “pote e a peneira” (anexo) serviram de base para diferentes reflexões sobre a exclusão e a inclusão, bem como, as novas abordagens metodológicas a partir de temas que envolveram a relação África/Brasil.
Os participantes demonstraram boa aceitação ao que se trabalhou sobre a temática proposta, em especial os procedimentos metodológicos adotados. Entendeu-se que os objetivos foram todos alcançados, pois os participantes envolvidos saíram da oficina com uma visão positiva em relação aos conhecimentos teóricos e práticas vivenciadas.


“As diferentes linguagens, cores e sons da África”

A oficina foi realizada utilizando música, cores e símbolos relacionados aos povos e cultura africana. Foi criada uma “viagem imaginária” em que os participantes saiam do porto de Cabedelo rumo ao continente africano através da música “Negro Espírito” do compositor paraibano Escurinho. Esta música é um lamento sobre a saga dos povos brasileiros afro-descendentes por desconhecerem suas origens. Através da música se procurou desconstruir a imagem negativa das raízes africanas no Brasil, e foi também com essa música que os pés imaginários dos participantes tocaram o solo africano, na terra dos ancestrais para se conhecer diferentes linguagens e símbolos dos povos da África. Trabalhou-se especificamente com os símbolos Adincra - figuras que representam palavras e que transmitem sentimentos, ações, valores, crenças, etc., além da riqueza artística das formas.
Utilizou-se uma dinâmica grupal com danças circulares, poesia, espelho, músicas, estandartes com a simbologia Adincra e as cores representativas da África. Procurou-se através da arte e de forma lúdica, abrir um espaço para as discussões da quebra dos preconceitos que estão encravados na sociedade brasileira.
A viagem imaginaria prosseguiu pelo continente africano com uma música infantil intitulada “Sansa Krone” (CD crianças do mundo – Revista Recreio da Editora Abril) cantada em dialeto da África do Sul e o trabalho foi finalizado com todos os participantes em uma grande roda e dançando como se fossem crianças africanas.

ANEXO

Os dois textos que seguem serviram de base teórica para a oficina “O conhecimento da Geografia Africana através de elementos artísticos” e se encontra no artigo bases geográficas do link: http://olharesgeograficos.blogs.sapo.pt


1. Texto para Oficina Temática: Geografia do pote e sua representação
Belarmino Mariano Neto


Uma coisa que considero particularmente interessante é o pote. É uma dessas coisas que acompanham a civilização humana desde seus primórdios, o pote guarda em se toda a humanidade, especialmente quando ela começou a ocupar os vales argilosos das bacias hidrográficas planetárias. E para se chegar a este estágio, foi preciso construir muitas formas de ocupar os pântanos e planícies da morfologia terrestre, até porque, estes ambientes eram áreas vitais de disputas das diferentes espécies de animais que precisavam de água para tocar a vida encadeada pelo alimento, sólido, líquido e gasoso que muitas vezes eram arrancados na carne viva dos outros corpos que davam sentidos a esta cadeia de necessidades da vida.
O pote é aparentemente um trabalho das mãos, uma arte do simples amassar argila e lhe dar a forma de pote. Um pote não é tão simples quanto parece, aquele amontoado de fina argila, que guarda no vazio de sua forma a função de guardar água. Vejo em um pote, um complexo processo de construção. A escolha da argila, os experimentos, as texturas, a dureza e sua plasticidade. Vejo no pote o complexo sistema da natureza humana a associada aos princípios primários da natureza. O pote guarda em sua materialidade toda a filosofia Pré-Socrática dos quatro elementos (terra, água, fogo e ar) totalmente inter-relacionados e interdependentes. A única falta de um destes, impediria a construção do pote. O pote é um ecossistema sociocultural. O pote guarda em sua gênese os princípios de interdependência plástica.
Cada pote é uma coisa única, por mais perfeita que seja a arte do oleiro, este não faria o mesmo pote duas vezes. E mesmo que na sua memória guarde o mapa mental do pote original, nunca mais fará o pote mesmo da sua cabeça, nem o pote real, nem o original das escrituras mentais do feito. Cada pote guarda em si a experiência única de ser feito pote. O pote em sua feitura guarda o sacrifício da lenha que gerou o fogo e tanto o pote quanto as lenhas ao serem queimados libertaram seus gases, suas novas formas materiais e a umidade de suas águas. A argila que antes de pote, aceitava ser batida, sovada, amassada, agora na forma de pote se torna cristal rochoso, perdendo flexibilidade e ganhando rigidez. Esse estrutural que agora se sustenta basicamente em uma única coluna, plana e horizontal que ganha o sentido de fundo do pote e que é base desse todo. As colunas que edificaram o pote estão na mente, nas mãos e no vazio que o oleiro lhe impôs enquanto forma e fazer.
O pote só tem sentido enquanto vazio, se puder ser cheio de um sentido de água, vinho, azeite ou grãos. Sem isso, o sentido do pote é seu vazio que se enche de ar. Ou seja, o sentido exterior do pote é a sua forma estética ou plástica. Sem ela não se construiria o sentido interno do vazio do pote. Um pote não é trabalho para qualquer um. Um pote pede experiência do oleiro. Da mente as mãos, dos pés a sensibilidade. O equilíbrio e o domínio no ponto da argila, nem muito mole, nem muito dura, mas no ponto de cada um dos oleiros. O pote guarda em sua forma de pote um jeito de universo aberto, mesmo que com tampa.
Depois de feito, o pote precisa passar pela cura, cheio de água em seu vazio, vai chupando toda a água pelos poros de sua parede. Chupa até a ultima gota, demonstrando um sistema completamente aberto, no qual a argila bebe toda a água. A água vai preenchendo os vazios da parede argilosa do pote até sair para sua superfície, ganhando no vazio do mundo a sua condição de liberdade. Uma experiência que mexe com o sentido da estrutura do pote, tão sólida e fechada em sua plástica. Vê-se o pote suando, transpirando e vertendo ou minando a fina água que se guardava na concreta, aparente e impenetrável materialidade do pote.
Não posso esquecer o quanto o pote é frágil em sua estrutura de barro, na permanente possibilidade de se quebrar, transformando-se em cacos; outra lembrança são os limites impostos pela parede do pote; o espaço do pote no espaço da casa, lócus em que se encontra o pote; a forma do pote em sua base, cintura, pescoço e boca que aceita tudo que lhe queiram colocar, pois é da natureza do pote admitir em seus limites que lhe encham do sentido que queiram desde que consigam lhe enfiar boca adentro, pois sua boca é o limite.
Gosto muito da seguinte cena: uma mulher de estrutura média, pele morena ou queimada pelo sol com uma barrida carregada de lua cheia que carrega em si mais ou menos oito meses e meio de gravidez, subindo uma ladeira com uma criança de mais ou menos um ano e meio escachada em seu quadril esquerdo; uma rodilha de pano e um pote cheio de água em seu vazio. A mão esquerda segura o filho, a direita corta e conta o vazio do tempo dos passos para equilibrar a barriga, o menino escanchado, o pote na rodilha e a rodilha na cabeça. Tudo isso guarda um complexo e dinâmico processo de diferentes e correlacionados equilíbrios. É esse simples equilíbrio que dá sentido ao complexo do pote em seu todo de esferas e círculos em paredes de argila que dão sentido ao vazio que busco como sentido.


2. Texto para Oficina temática: Geografia da Peneira e seus vazios de sentidos.
Belarmino Mariano Neto.

A escolha em pensar a peneira como objeto de comparação no trabalho é pensar em uma casa de farinha e seus vários momentos para o fabrico da farinha ou de outros alimentos. A peneira é instrumento de trabalho extremamente simples, que foi desenvolvido desde os primórdios da humanidade, e guarda em sua estrutura um complexo emaranhado ou teia de significados para um conhecimento que propõe inter-relacionar elementos científicos.
A peneira é um objeto usado para peneirar ou separar substâncias grossas e finas. Penso em uma peneira feita com tabocas, cipó e varas do marmeleiro. Toda feita manualmente. Com um tamanho de aproximadamente 1,0m / 90 cm na forma retangular, quase quadrada. Mas existem vários tamanhos e formas, como as arredondadas. A lógica da peneira é exatamente peneirar, mais quando observo um objeto destes, vejo com facilidade seu material estrutural e sua função, esquecendo de observar o invisível que interliga cada parte da peneira, seus furos ou passagens para a massa que deve ser peneirada.
A peneira é um sistema aberto, marcada por uma trança de finas taliscas que ao se cruzarem criam um sentido de fechado/aberto para a realização do trabalho. O que fica na parte de dentro da peneira é o material grosso, que ainda precisa ser mais bem triturado; o que passa pelas aberturas da peneira é considerado como material para continuação da produção.
Mesmo considerando a peneira em sua totalidade, seu sentido é exatamente o vazio que se forma de entrelaçado das tabocas. O sentido é também sua suave concavidade na qual se acumula o material a ser peneirado. Seu rico trançado permite uma geometria de quadrados, triângulos, retângulos e losangos. Uma matemática profundamente bem arranjada em suas formas, mas seu sentido são unicamente os vazios em suas articulações. É esse sentido do vazio e da complexidade no simples que me atraí. Essa unidade de materialidade e imaterialidade; de natureza e sociedade em unicidade socioambiental enquanto sistema aberto, combinado e interligado é o que busco compreender.

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