Alder Júlio Ferreira Calado
Sobre o autor: Licenciado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Caruaru (1972), Mestrado em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (1979) e Doutorado em Anthropologie et Sociologie du Politique - Université de Paris VIII (1991). Atualmente é docente-pesquisador na FAFICA, em Caruaru. Até 1999, atuou no PPGE, no PPGS e no PPSS (todos da UFPB), como docente e orientador. Principais disciplinas ministradas: Movimentos Sociais, Educação Popular, Sociedade e Cidadania: o protagonismo dos Movimentos Sociais.
Por: Alder Júlio Ferreira Calado
De uma ano para cá – para tomar como referência
apenas esse breve período -, assistimos a um esforço concentrado por parte de
movimentos sociais populares, do campo e da cidade, e de outras organizações de
base da sociedade brasileira, no sentido de debater, avaliar e esboçar
encaminhamentos concretos em relação aos principais desafios com que se
deparam, no plano nacional.
O propósito dessas notas é o de, sem desconsiderar
o que se tem passado também no âmbito internacional (por ex., o que ecoa desde
o mais recente Fórum Social Mundial, recém-realizado em Túnis, do qual deu
conta a Declaração de conclusão do mesmo: cf. http://www.fsm2013.org/en/node/12972 )
e no plano latino-amiericano (com especial atenção aos avanços e desafios
vindos da experiência venezuelana e países andinos) é de destacar apenas três
casos de assembleias congêneres mais recentes: 1) o Encontro Nacional Unitário
dos Trabalhadores e Trabalhadoras e das Povos do Campo, das Águas e das
Florestas, realizado em Brasília, de 21 a 24 de agosto de 2012, reunindo
milhares de participantes (http://encontrounitario.wordpress.com/2012/08/22/declaracao-do-encontro-nacional-unitario-dos-trabalhadores-e-trabalhadoras-e-povos-do-campo-das-aguas-e-das-florestas/ cf.
Anexo I); 2) Encaminhamentos retirados da Plenária Nacional dos
Movimentos Sociais Brasileiros, da qual participaram 33 dirigentes sociais,
realizada em São Paulo, cujos encaminhamentos são datados de 6 de maio de
2013 (ver Anexo II); e 3) o Encontro da 5ª. Semana Social do Regional Nordeste
III (Bahia e Sergipe), realizado em Feira de Santana- BA, de 3 a 5 de maio de
2013 (ver Carta, em Anexo III).
A partir de traços reconstitutivos de cada uma
cessas iniciativas, com observações de caráter analítico, trato, em seguida, de
compartilhar algumas notas avaliativas, com propósito de problematizar essa
retomada de iniciativas organizativas e de mobilização. Comecemos, pois, por
uma breve rememoração de cada uma dessas experiências, ensaiando, depois,
algumas linhas, a título de problematização.
I – Breve rememoração de três encontros recentes de
Movimentos Sociais
1) Encontro Nacional Unitário dos
Trabalhadores e Trabalhadoras e dos Povos do Campo, das Águas e das Florestas - Um dos acontecimentos mais
impactantes de 2012, esse Encontro Unitário, realizado em Brasília, de 19 a 22
de agosto, do qual foram protagonistas milhares de participantes,
representantes dos seguintes 39 movimentos e entidades do campo: Associação das Casas Familiares Rurais (ARCAFAR),
Associação das Mulheres do Brasil (AMB), Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia
Florestal (ABEEF), Articulação
Nacional de Agroecologia (ANA), Articulação
dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Conselho
Indigenista Missionário (CIMI);CARITAS
Brasileira, Coordenação Nacional dos
Quilombolas (CONAQ); Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), Comissão Pastoral da Pesca (CPP), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB),Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar
(FETRAF), FASE, Greenpeace, INESC, Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento Camponês Popular (MCP), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), do Nordeste
(MMTR-NE), Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA), Movimento dos
Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento Interestadual das Mulheres Quebradeiras de
Coco Babaçu (MIQCB), Oxfam Brasil, Pastoral da Juventude Rural (PJR), Plataforma Dhesca,Rede
Cefas, Sindicato Nacional dos
Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF), SINPRO DF,Terra
de Direitos; Unicafes, VIA CAMPESINA BRASIL.
Em sua Declaração, encabeçada por uma chamada
emblemática – “Por terra, território e dignidade!” – os/as participantes, ao
sinalizarem para a retomada e ampliação das mobilizações e lutas camponesas, em
novo estilo – “fazendo emergir uma diversidade de sujeitos e pautas” -, tratam
de ir à raiz do problema, em sua análise percuciente, além de identificarem pelo
nome as forças em jogo, e de proporem ações concretas no enfrentamento dos
desafios apontados. Sua Declaração se distribui em três tópicos: exposição
analítica dos desafios, indicação/resumo de suas bandeiras de luta ou
metas-chave; e formas de organização para o enfrentamento dessas questões.
Já na primeira parte, tratam de fazer seu
percuciente diagnóstico:
“Este projeto, na
sua essência, produz desigualdades nas relações fundiárias e sociais no meio
rural, aprofunda a dependência externa e realiza uma exploração ultrapredatória
da natureza. Seus protagonistas são o capital financeiro, as grandes cadeias de
produção e comercialização de commodities de escala mundial, o latifúndio e o
Estado brasileiro nas suas funções financiadora – inclusive destinando recursos
públicos para grandes projetos e obras de infraestrutura – e (des)reguladora da
terra.”
E, certeiros, completam:
“Este projeto
provoca o esmagamento e a desterritorialização dos trabalhadores e
trabalhadoras dos povos do campo, das águas e das florestas. Suas conseqüências
sociais e ambientais são a não realização da reforma agrária, a não demarcação
e reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas, o aumento da
violência, a violação dos territórios dos pescadores e povos da floresta, a
fragilização da agricultura familiar e camponesa, a sujeição dos trabalhadores
e consumidores a alimentos contaminados e ao convívio com a degradação
ambiental. Há ainda conseqüências socioculturais como a masculinização e o
envelhecimento do campo pela ausência de oportunidades para a juventude e as
mulheres, resultando na não reprodução social do campesinato.”
Diante desse quadro, resumem em dez pontos quais as
suas bandeiras e metas pelas quais lutar: a realização de uma autêntica Reforma
Agrária; assegurar aos diferentes sujeitos do campo soberania territorial;
soberania alimentar, implicando o direito de decidir o quê produzir e
estratégias sustentáveis de produção; organização social e produtiva baseada na
agroecologia; centralidade da agricultura familiar e camponesa e na forma de
produção dos povos tradicionais; superação da divisão sexual do trabalho sob a
égide do patriarcado; soberania energética (com controle social das fontes e da
produção e circulação); educação do campo como estratégia de emancipação desses
sujeitos; democratização da mídia; responsabilização do Estado pelos danos
causados aos povos tradicionais, vítimas frequentes dos megaprojetos, feitos
não apenas à sua revelia, mas também contra seus interesseses.
Como formas e pistas concretas de enfrentamento
desses impasses e conquista dessas bandeiras, foram elaborados 11 pontos, dos
quais merecem especial destaque: compromisso de fortalecer e ampliar a unidade,
por meio de assunção de pautas comuns; construir e fortalecer alianças entre
campo e cidade; investir cada vez mais no fortalecimento das experiências
agroecológicas e no combate aos agrotóxicos; acordar uma agenda de lutas em
defesa das políticas sociais específicas a esses sujeitos (PRONAF, PNAE, PAA, PRONERA, PRONACAMPO, pesquisa e
extensão, dentre outras, voltadas para os povos do campo, das águas e das
florestas.); ampliação da lutas pelos direitos das mulheres e dos
jovens; combate ao atual modelo de produção fundado nos petro-dependentes e no
alto consumo energético; combate à criminalização dos movimentos socais, à
violência e à impunidade seletiva, cometidas por agente públicos e
privados; criação da comissão camponesa de anistia, memória, verdade e justiça.
2) Encaminhamentos - Plenária Nacional de
Movimentos Sociais Brasileiros – Em consequência dessa Plenária realizada em
São Paulo, e concluída no dia 6 de maio deste ano, foram acordados
encaminhamentos por parte de 33 dirigentes sociais, representantes dos
seguintes movimentos e entidades: Movimentos
da Via Campesina, MCP, Fetraf, CUT, movimentos da CMS, UNE, UBES, MMM,
Assembleia Popular, FUP, CIMI, UBM, SENGE/PR, UJS, Levante Popular da
Juventude, CONEN, Barão de Itararé, Intervozes, CMP- MMC/SP, Consulta Popular,
FNDC, ADERE-MG, Sindipetro/SP.
Como bjetivos centrais da referida Plenária,
constavam: promover campanhas de mobilização de massa, visando a superar o
modelo neodesenvolvimentista, resistir ao avanço da direita, fortalecer a mídia
alternativa, acumular força para ulteriores enfrentamentos pelo Projeto
Popular. Objetivos a serem alcançados por meio de várias campanhas de massa,
conforme os interesses de cada movimento específico, das quais se deve
priorizar, em comum, a campanha contra leilões do petróleo e energia, tomando
como mote principal o combate às privatizações. De cada campanha (dessas e das
seguintes), foram escolhidos representantes específicos, com encargos mais
diretos de organização.
As outras campanhas são: a campanha pela
democratização da mídia (em mutirão com o FNDM (Fórum Nacional de Democratizão
da Mídia), para o que cumpre preparar, inclusive, abaixo-assinado e passos para
essa campanha; a campanha pela Reforma Política (em parceria com o PT);
campanha pela Reforma do Judiciário; campanha pela jornada de 40 horas;
campanha pelos 10% para a Educação Pública;
campanha contra a PEC 215 (Projeto de Emenda à Constituição, por meio da qual
os setores ruralistas e seus aliados pretendem privatizar ainda mais as áreas
indígenas e de outros povos tradicionais; elaboração de um manifesto contra a
redução da maioridade penal; campanha visando à realização de um Plebiscito
(previsto para 2014) contra redução da maioridade penal.
3) 5ª Semana Social do Regional Nordeste 3 – As chamadas semanas sociais já
constituem uma praxe no calendário social da Igreja Católica, no Brasil, desde
os anos 90. Realizam-se também por regiões, como é o caso da realização, entre
3 e 5 de maio de 2013, da 5ª. Semana Social da Região Nordeste 3 (Bahia e
Sergipe), da qual dá notícia “Carta”, que se acha em anexo.
São significativos o número de participantes e a
diversidade de sujeitos e de regiões aí presentes: “282 representantes de 56
entidades, organizações e movimentos sociais e pastorais das regiões das quatro
arquidioceses e 17 dioceses dos dois Estados”.
Chama igualmente a atenção a forma escolhida para
se trabalhar o tema “Do Estado que temos ao Estado que queremos”: em seis
oficinas temáticas, incidindo sobre relevantes desafios: 1) Questão agrária e
violência no campo e na cidade; 2) Questão urbana e a cidade de exceção; 3)
Soberania alimentar e hídrica; 4) Acesso aos direitos sociais e política
pública; 5) Tráfico de pessoas; e 6) Controle do Judiciário.
Dos debates acerca desses desafios, diz a Carta,
“ficou evidente que em cada tema, os mais candentes na atualidade da Bahia e do
Sergipe, há conquistas maiores ou menores, mas há, sobretudo, grandes desafios
para a defesa do conquistado e avanço dos direitos da cidadania e na democracia
real e substantiva. A conquista, em tempos recentes, de governos por
representantes de setores populares e da sociedade organizada, tem significado
a dura experiência de que Governo não é o Estado e que ter o Governo não é
exercer o Poder. As classes dirigentes, venham de onde vierem, acabam expressando
a vontade do Capital, hoje articulado e em processos de acumulação em escala
global e sem freios. Conquistas legais de interesse público, em especial de
setores populares mais fragilizados, são derrubadas com a conveniência e
omissão dos Poderes da República, da União e dos Estados, à base de conchavos e
deslavada corrupção.”
A Carta trata de exemplificar a realidade daquele
Regional 3, que, em grande medida, pode estender-se para o conjunto do País, e
cita descaminhos e retrocessos, tais como: o Código Florestal, a Lei da Copa, a
Transposição, os grandes projetos... Em muitos casos, verdadeiros acintes
contra a dignidade dos pobres, em especial dos povos indígenas e quilombolas e
povos tradicionais.
Com relação a encaminhamentos, podem ser destacados
os seguintes pontos: a definição de Panos Diretores por bairros, rede
popular urbana;
luta contra a redução da maioridade penal e
priorização do investimento público para a garantia de direitos das crianças e
adolescentes; formação e articulação do combate ao tráfico de pessoas; retomada
da pressão social e das lutas pela Reforma Agrária e regularização dos
territórios dos povos e comunidades tradicionais; promover iniciativas que
visem a soberania alimentar e hídrica: produção, comercialização e consumo
alimentares agroecológicos, solidários, em associações e redes, também de
controle comunitário de serviços de água; no Semiárido, para uma autêntica
convivência com o clima e proveito de suas potencialidades; Educação Popular,
contextualizada, comunicação e informação críticas, que incentivem a partilha e
a vida comunitária, no embate cultural e ideológico com o individualismo e
consumismo.
II – Alguns questionamentos em busca de
problematização
Do âmbito internacional ao local, segue
impraticável a construção de uma nova sociedade, alternativa a tantas
manifestações de barbárie presentes nas sociedades de classes, inclusive no
Capitalismo, sem o imprescindível concurso das forças vivas de uma sociedade,
em especial dos movimentos sociais atuando com projeto alternativo de
sociedade. É, pois, com satisfação que se constata essa nova tendência de
retomada e de ampliação das mobilizações e lutas sociais, com foco na
construção da unidade desses movimentos sociais.
E aqui já se registra um sério desafio: um trabalho
hercúleo conseguir-se a necessária unidade dessas forças, num complexo espectro
de diversidade. Diversidade, sob tantos aspectos:
- de espacialidade: movimentos sociais do campo e
da cidade;
- de relação com o processo produtivo:
sindicalistas, movimentos populares;
- de gênero e de orientação sexual: movimentos
feministas e dos segmentos homoafetivos;
- de etnia: a diversidade de povos indígenas, de
comunidades quilombolas...
- de geração: distintos segmentos de movimentos
jovens (urbanos, rurais, estudantis, de orientação étnica, etc., etc.;
- de tendências confessionais;
- de maior ou menor acúmulo de lutas, sob a
influência político-ideológica de suas respectivas formações...
Construir a unidade, a partir de tal diversidade de
perfis de protagonistas não é certamente das tarefas mais fáceis. Menos ainda,
quando se tem presente o não menos complexo espectro das forças antagônicas...
Isto vai se dando em processo, e de modo incessante. Seja como for, resulta,
sim, animador tomar-se conhecimento desse novo despontar das forças sociais
protagonizadas pelos movimentos sociais e organizações de base de nossa
sociedade.
Num primeiro esforço avaliativo dessas iniciativas
mais recentes, acima ligeiramente caracterizadas, em busca de problematização
dessas experiências, cuido, a seguir, de levantar alguns questiomentos,
precedidos de considerações introdutórias.
Pondo-se num painel os pontos registrados como de
prognóstico da realidade social em curso, observam-se diversos pontos em comum:
o modelo dito neodesenvolvimentista (outros já chamam mesmo de Capitalismo), a
expansão das transnacionais em distintas áreas, os estragos do agronegócio
contra o Planeta e contra os Humanos, a não-realização da Reforma Agrária e das
medidas corretivas do processo de desterritorialização em curso; as investidas
das forças reacionárias, a omissão (ou comissão?) do Estado em função dos
interesses das forças dominantes. A par de traços comuns no esforço de
diagnóstico, também se constatam diferenças notáveis. E não se trata de
diferenças resultantes das especificidades dentro do espectro de movimentos
sociais, organizações de base e outras instâncias. Há diferenças de avaliação
ético-política, também. Isto me leva a suscitar os seguintes questionamentos:
* A despeito de vários
registros da efetiva participação do Estado na viabilização de políticas
claramente a favor do grande capital, o quê leva uma parte desses movimentos
sociais a continuar objetiva, expressa ou tacitamente como seus aliados
orgânicos?
* O problema deve-se ao
fato do reconhecimento de que Governo não é Estado (insinuando-se que, se
fosse, os problemas seriam resolvidos) ou, antes, ao fato de que, sendo
parceiro necessário e inelutável do Capital, não há como esperar-se numa
“democratização” do Estado?
* Por que se abandonou o
foco da luta por uma nova sociedade – como se fazia, por exemplo, nos anos 80
(cf. lemas dos Intereclesiais das CEBs), substituindo-se pela ilusória
“democratização do Estado” (“Do Estado que temos ao Estado que queremos”)? (“A
árvore se conhece pelos frutos.”).
* Nesse sentido, parece
haver mais clareza entre os/as protagonistas do Encontro Nacional Unitário dos
Trabalhadores e Trabalhadoras e dos Povos do Campo, das Águas e das Florestas,
quanto ao diagnóstico da realidade, enquanto as outras duas experiências, ainda
que distintas entre si, parecem apostar mais na capacidade do Estado, de dar
respostas às suas demandas. O quê terá levado a forças de grande acúmulo de
lutas e formação política, nos anos 80 e 90, quando se mostravam mais zelosas
de sua autonomia frente, ao mesmo tempo, ao Mercado e ao Estado, preferirem, a
partir dos anos 2000, celebrar parceria com o Estado? Não poderiam continuar a
fazer negociações concretas, sem um alinhamento orgânico? Em que tem resultado
tal alinhamento orgânico?
* Até que ponto essa mudança de posição tem sido
capaz de explicar certo desinteresse e falta de compromisso mais efetivo com o
processo formativo contínuo de suas bases e de seus dirigentes, de modo a
perder força seu empenho na busca de formas alternativas de organização social?
Parece pacífica a avaliação de que as mudanças
desejadas implicam décadas seguidas de trabalho, desde que esse trabalho pela
transformação se faça desde já. Fazer-se desde já não significa – nem deve
significar – pretender-se chegar JÁ E COMPLETAMENTE a uma sociedade
alternativa. Esta constitui um longo e incessante processo. Ocorre que, para
isso, passos concretos têm que ser sinalizados, desde já. Para tanto, urge ir
construindo já passos de alternatividade. Isto parecia bem mais claro em
movimentos sociais, nos anos 80, alguns dos quais tratavam de organizar-se, ao
mesmo tempo, como movimento, como sindicato e como partido (caso do MST da
época), mas MANTENDO-SE COMO MOVIMENTO AUTÔNOMO.
Outro exemplo, este no plano de setores de igrejas
cristãs, em especial de setores da Igreja Católica, a chamada “Igreja na
Base” (CEBs, CIMI, CPT, ACR, CPO, PCIs, Teologia da Libertação, Teologia da
Enxada, CEBI, PJMP, CDDHs, etc., etc.): a aposta era na busca da construção de
uma nova sociedade (não de um Estado “democrático”), e a partir desse Projeto
(em contínua construção!), também seus protagonistas passavam a se organizar e
a viver, em tudo o que estivesse ao seu alcance, na luta contra todos os
protagonistas do Capital, e fazendo acontecerem novas relações de vida e de
trabalho, lá onde podiam, em suas relações do cotidiano. Claro que aí também
havia contradições, mas a tentativa maior seguia essa linha.
Além disso, também cuidavam de combinar seu
horizonte almejado (nova sociedade) com os métodos respectivos. Não se tratava
de almejar um horizonte por meio de práticas antagônicas a esse mesmo
horizonte. Importava – e ainda importa, para os e as que teimam nessa busca –
alcançar Liberdade, pelas vias do exercício da Liberdade.
Até que ponto, em vez de atraírem pelas suas
práticas consequentes, segmentos consideráveis de movimentos sociais é que
acabaram sendo também fascinados pelos sedutores atalhos das práticas
partidárias e sindicais de resultado, pela via da ética de circunstância
ou do pragmatismo? Consola-nos, por outro lado, saber que parte dessas forças
sociais hoje acenam para correção de rumos e de trilhas, olhos fitos no andar
da história...
João Pessoa, 11 de
maio de 2013.
TEXTOS COMPLEMENTARES
Do Estado que temos para o Estado que queremos
Carta da 5ª Semana Social Brasileira / Bahia e Sergipe
Nós, 282 representantes
de 56 entidades, organizações e movimentos sociais e pastorais das regiões das
quatro arquidioceses e 17 dioceses dos dois Estados, reunidos no evento
regional da 5ª Semana Social Brasileira, promovida pelo Regional Nordeste 3 – Bahia
e Sergipe – da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Feira de
Santana - BA, nos dias 3 a 5 de maio de 2013, discutimos a realidade,
problemas, experiências, desafios e propostas, do campo e da cidade, para levar
à efetiva democratização do Estado brasileiro. As históricas Semanas Sociais
são espaços que a Igreja oferece à discussão aberta e pluralista da sociedade,
sobre os temas mais urgentes. Assim, ela cumpre sua missão de servidora nos
processos em vista da construção do Reino de Deus anunciado e inaugurado por
Jesus de Nazaré.
Ecoaram nas oficinas, plenárias e
celebrações, o cotidiano de lutas, vitórias, decepções e esperanças de setores
da sociedade, organizados ou à margem das organizações sociais. De modo
especial o grito dos mais pobres, entre os quais os afetados pelo atual ciclo
de neodesenvolvimentismo, promovido e patrocinado e defendido pelo atual Estado
brasileiro. O crescimento econômico é buscado a todo e qualquer custo, embalado
pela crise e pelas oportunidades do mercado global, ávido por abundantes
recursos naturais e humanos e altos ganhos de capital. Internamente, é apoiado
por ampla e esdrúxula coalizão política, na base do “vale tudo”. O dinamismo
econômico gerado, se aumenta o emprego e proporcionar uma renda mínima através
de programas assistenciais para as famílias historicamente excluídas, também
causa enormes impactos sociais e ambientais e desmonta direitos e salvaguardas
legais duramente conquistados. Pior, o clima predominante é de desmobilização
social, disciplinamento ou criminalização dos movimentos e lutadores e
lutadoras sociais, falsa ou controlada participação social e incentivo ao
individualismo e ao consumismo alienantes, alimentados na propaganda oficial e
na diária manipulação das consciências pela poderosa grande mídia.
Nas seis oficinas realizadas: Questão
Agrária e Violência no Campo e na Cidade; Questão Urbana e a Cidade de Exceção;
Soberania Alimentar e Hídrica; Acesso aos Direitos Sociais e Políticas
Públicas; Tráfico de Pessoas e Controle do Judiciário, ficou evidente que em
cada tema, os mais candentes na atualidade da Bahia e do Sergipe, há conquistas
maiores ou menores, mas há, sobretudo, grandes desafios para a defesa do
conquistado e avanço dos direitos da cidadania e na democracia real e substantiva.
A conquista, em tempos recentes, de governos por representantes de setores
populares e da sociedade organizada, tem significado a dura experiência de que
Governo não é o Estado e que ter o Governo não é exercer o Poder. As classes
dirigentes, venham de onde vierem, acabam expressando a vontade do Capital,
hoje articulado e em processos de acumulação em escala global e sem freios.
Conquistas legais de interesse público, em especial de setores populares mais
fragilizados, são derrubadas com a conveniência e omissão dos Poderes da
República, da União e dos Estados, à base de conchavos e deslavada corrupção.
Exemplares são os casos do novo Código Florestal, da Lei da Copa, da PEC da
Impunidade, dos retrocessos na legislação e nas políticas que defendem os
direitos constitucionais dos povos e comunidades tradicionais, considerados
“entraves ao crescimento”, fadados à extinção. O Judiciário tem se revelado
cada vez mais um poder encastelado, afastado da cidadania e temido pelo povo,
como demonstrou a realização dos Tribunais Populares do Judiciário.
Têm se tornado desesperados os justos
reclamos dos indígenas, quilombolas, comunidades de fundos e fechos de pasto,
pescadores artesanais, sem-teto e atingidos pelas obras da Copa e outras obras
de infraestrutura, como a Ferrovia de Integração Oeste-Leste, o Porto Sul, a
Transposição do rio São Francisco, o Polo Naval na Baía de Aratu e a expansão
indiscriminada das imobiliárias, parques eólicos, mineradoras e projetos de
irrigação e de usinas nucleares. A seca de sempre no Semiárido – maior em 60
anos – agrava ainda mais o quadro de dependência e desestruturação da economia
popular.
As conquistas no Estado que temos e
os novos e velhos embates populares pelo Estado que queremos evidenciam a
fragmentação e a dificuldade de empreender novos rumos e métodos às lutas
populares. No entanto, temos experiências e iniciativas coletivas,
comunitárias, válidas para indicar os caminhos da nova sociedade solidária,
maior que o Estado, Poder Popular real que o submeta e o controle. Trata-se das
propostas já praticadas ou em gestação:
·
Planos
Diretores por Bairros, Rede Popular Urbana;
· Luta Contra a Redução da Maioridade
Penal e priorização do investimento público para a garantia de direitos das
crianças e adolescentes, sobretudo das famílias mais pobres, restabelecendo a
esperança de futuro;
· Formação e articulação do combate ao
tráfico de pessoas e envolvimento na Campanha da Fraternidade de 2014;
· Retomada da pressão social e das
lutas pela Reforma Agrária e regularização dos territórios dos povos e
comunidades tradicionais; gestões junto ao Ministério Público para levantar e
investigar os possíveis casos de genocídio em curso na Bahia e no Sergipe, e
tomar as medidas cabíveis;
· Iniciativas que visam a Soberania
Alimentar e Hídrica: produção, comercialização e consumo alimentares
agroecológicos, solidários, em associações e redes, também
de controle comunitário de serviços de água; no Semiárido, para uma autêntica
Convivência com o clima e proveito de suas potencialidades;
· Educação Popular, contextualizada,
comunicação e informação críticas, que incentivem a partilha e a vida
comunitária, no embate cultural e ideológico com o individualismo e consumismo;
· Lutas pela acessibilidade das Pessoas
com Deficiências, Fórum Regional de Políticas Públicas, qualificação e
fortalecimento dos Movimentos e Conselhos, Articulações Intermunicipais de
lutas por direitos;
· Tribunais Populares do Judiciário, a
serem divulgados e expandidos, Controle Externo do Judiciário e novas Comarcas.
Três Moções de Apoio
foram aprovadas: à Campanha Nacional pela Regulamentação dos Territórios das
Comunidades Tradicionais Pesqueiras; à proposta das Pastorais Sociais do Campo
do tema “Povos e Comunidades Tradicionais” para a Campanha da Fraternidade de
2016; à luta da Comunidade Quilombola Rio dos Macacos pela imediata
regulamentação de seu território.
Estas nossas lutas atuais, a memória
das anteriores e dos mártires de tod.
as elas e nossa fé no Reino de Deus,
que “já está no meio de nós” (Lucas 17,21), nos dão a certeza de que o Estado
que queremos estamos construindo com nossos braços entrelaçados e nossos
corações numa só pulsação de vida e esperança. Juntem-se a nós, contem conosco,
nesta urgente missão!
Feira de Santana, 5 de
maio de 2013.
DECLARAÇÃO DO ENCONTRO NACIONAL
UNITÁRIO DOS TRABALHADORES E
TRABALHADORAS E DOS POVOS DO CAMPO, DAS ÁGUAS E DAS FLORESTAS
Os
movimentos sociais do campo, que se reuniram nesta semana no Encontro Unitário
dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas,
em Brasília, lançaram uma declaração conjunta que representa uma demonstração
de articulação e unidade política dos camponeses, pequenos agricultores,
sem-terra, indígenas e quilombolas, além de ambientalistas, defensores dos
direitos humanos e estudantes que participaram dessa construção.
O
encontro é uma resposta aos desafios do nosso país para superar a desigualdade
na distribuição da terra, que se mantém inalterada desde a década de 20, mas
com riscos econômicos, sociais, culturais e ambientais em consequência da
especialização primária da economia.
O
projeto capitalista em curso no Brasil, representado no campo pelo agronegócio,
tem como objetivo a acumulação de capital no setor primário, servindo aos
interesses e domínio do capital estrangeiro no campo por meio das
transnacionais.
A
ofensiva desse projeto causa o esmagamento e a desterritorialização dos
trabalhadores e trabalhadoras dos povos do campo, das águas e das florestas.
Além disso, impede a realização da reforma agrária, a demarcação e
reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas.
Por
outro lado, tem impactos sociais e ambientais negativos, com o aumento da
violência, a violação dos territórios dos pescadores e povos da floresta, a
fragilização da agricultura familiar e camponesa, a sujeição dos trabalhadores
e consumidores a alimentos contaminados e ao convívio com a degradação
ambiental.
O
encontro demonstra que é indispensável um projeto de vida e trabalho para a
produção de alimentos saudáveis em escala suficiente para atender as
necessidades da sociedade, que respeite a natureza e gere dignidade no campo.
Para
isso, é necessário realizar a Reforma Agrária, defender a nossa soberania
territorial, garantir a a soberania alimentar, desenvolver a agroecologia, com
a centralidade da agricultura familiar e camponesa e de formas tradicionais de
produção e educação do campo, indígena e quilombola como ferramentas
estratégicas para a emancipação.
Abaixo,
leia a declaração final do Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e
Povos do Campo, das Águas e das Florestas.
Por
Terra, Território e Dignidade!
Após
séculos de opressão e resistência, “as massas camponesas oprimidas e
exploradas”, numa demonstração de capacidade de articulação, unidade política e
construção de uma proposta nacional, se reuniram no “I Congresso Nacional dos
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas sobre o caráter da reforma agrária”, no
ano de 1961, em Belo Horizonte. Já nesse I Congresso os povos do campo,
assumindo um papel de sujeitos políticos, apontavam a centralidade da terra
como espaço de vida, de produção e identidade sociocultural.
Essa
unidade e força política levaram o governo de João Goulart a incorporar a
reforma agrária como parte de suas reformas de base, contrariando os interesses
das elites e transformando-se num dos elementos que levou ao golpe de 1964. Os
governos golpistas perseguiram, torturaram, aprisionaram e assassinaram
lideranças, mas não destruíram o sonho, nem as lutas camponesas por um pedaço
de chão.
Após
décadas de resistência e denuncias da opressão, as mobilizações e lutas sociais
criaram condições para a retomada e ampliação da organização camponesa, fazendo
emergir uma diversidade de sujeitos e pautas. Junto com a luta pela reforma
agrária, a luta pela terra e por território vem afirmando sujeitos como sem
terra, quilombolas, indígenas, extrativistas, pescadores artesanais,
quebradeiras, comunidades tradicionais, agricultores familiares, camponeses,
trabalhadores e trabalhadoras rurais e demais povos do campo, das águas e das
florestas. Neste processo de constituição de sujeitos políticos, afirmam-se as
mulheres e a juventude na luta contra a cultura patriarcal, pela visibilidade e
igualdade de direitos e dignidade no campo.
Em
nova demonstração de capacidade de articulação e unidade política, nós homens e
mulheres de todas as idades, nos reunimos 51 anos depois, em Brasília, no
Encontro Nacional Unitário de Trabalhadores e Trabalhadoras, Povos do Campo,
das Águas e das Florestas, tendo como centralidade a luta de classes em torno
da terra, atualmente expressa na luta por Reforma Agrária, Terra, Território e
Dignidade.
Nós
estamos construindo a unidade em resposta aos desafios da desigualdade na
distribuição da terra. Como nos anos 60, esta desigualdade se mantém
inalterada, havendo um aprofundamento dos riscos econômicos, sociais, culturais
e ambientais, em conseqüência da especialização primária da economia.
A
primeira década do Século XXI revela um projeto de remontagem da modernização
conservadora da agricultura, iniciada pelos militares, interrompida nos anos
noventa e retomada como projeto de expansão primária para o setor externo nos
últimos doze anos, sob a denominação de agronegócio, que se configura como
nosso inimigo comum.
Este
projeto, na sua essência, produz desigualdades nas relações fundiárias e
sociais no meio rural, aprofunda a dependência externa e realiza uma exploração
ultrapredatória da natureza. Seus protagonistas são o capital financeiro, as
grandes cadeias de produção e comercialização de commodities de escala mundial,
o latifúndio e o Estado brasileiro nas suas funções financiadora – inclusive
destinando recursos públicos para grandes projetos e obras de infraestrutura –
e (des)reguladora da terra.
O
projeto capitalista em curso no Brasil persegue a acumulação de capital
especializado no setor primário, promovendo super-exploração agropecuária,
hidroelétrica, mineral e petroleira. Esta super-exploração, em nome da
necessidade de equilibrar as transações externas, serve aos interesses e domínio
do capital estrangeiro no campo através das transnacionais do agro e
hidronegócio.
Este
projeto provoca o esmagamento e a desterritorialização dos trabalhadores e
trabalhadoras dos povos do campo, das águas e das florestas. Suas conseqüências
sociais e ambientais são a não realização da reforma agrária, a não demarcação
e reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas, o aumento da
violência, a violação dos territórios dos pescadores e povos da floresta, a
fragilização da agricultura familiar e camponesa, a sujeição dos trabalhadores
e consumidores a alimentos contaminados e ao convívio com a degradação
ambiental. Há ainda conseqüências socioculturais como a masculinização e o
envelhecimento do campo pela ausência de oportunidades para a juventude e as
mulheres, resultando na não reprodução social do campesinato.
Estas
conseqüências foram agravadas pela ausência, falta de adequação ou caráter
assistencialista e emergencial das políticas públicas. Estas políticas
contribuíram para o processo de desigualdade social entre o campo e a cidade, o
esvaziamento do meio rural e o aumento da vulnerabilidade dos sujeitos do
campo, das águas e das florestas. Em vez de promover a igualdade e a dignidade,
as políticas e ações do Estado, muitas vezes, retiram direitos e promovem a
violência no campo.
Mesmo
gerando conflitos e sendo inimigo dos povos, o Estado brasileiro nas suas
esferas do Executivo, Judiciário e Legislativo, historicamente vem investindo
no fortalecimento do modelo de desenvolvimento concentrador, excludente e
degradador. Apesar de todos os problemas gerados, os sucessivos governos –
inclusive o atual – mantêm a opção pelo agro e hidronegócio.
O
Brasil, como um país rico em terra, água, bens naturais e biodiversidade, atrai
o capital especulativo e agroexportador, acirrando os impactos negativos sobre
os territórios e populações indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e
camponesas. Externamente, o Brasil vem se tornando alavanca do projeto
neocolonizador, expandindo este modelo para outros países, especialmente na
América Latina e África.
Torna-se
indispensável um projeto de vida e trabalho para a produção de alimentos
saudáveis em escala suficiente para atender as necessidades da sociedade, que
respeite a natureza e gere dignidade no campo. Ao mesmo tempo, o resgate e
fortalecimento dos campesinatos, a defesa e recuperação das suas culturas e
saberes se faz necessário para projetos alternativos de desenvolvimento e
sociedade.
Diante
disto, afirmamos:
1)a
reforma agrária como política essencial de desenvolvimento justo, popular,
solidário e sustentável, pressupondo mudança na estrutura fundiária,
democratização do acesso à terra, respeito aos territórios e garantia da
reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.
2)a
soberania territorial, que compreende o poder e a autonomia dos povos em
proteger e defender livremente os bens comuns e o espaço social e de luta que
ocupam e estabelecem suas relações e modos de vida, desenvolvendo diferentes
culturas e formas de produção e reprodução, que marcam e dão identidade ao
território.
3)a
soberania alimentar como o direito dos povos a definir suas próprias políticas
e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que
garantam o direito à alimentação adequada a toda a população, respeitando suas
culturas e a diversidade dos jeitos de produzir, comercializar e gerir estes
processos.
4)a
agroecologia como base para a sustentabilidade e organização social e produtiva
da agricultura familiar e camponesa, em oposição ao modelo do agronegócio. A
agroecologia é um modo de produzir e se relacionar na agricultura, que preserva
a biodiversidade, os ecossistemas e o patrimônio genético, que produz alimentos
saudáveis, livre de transgênicos e agrotóxicos, que valoriza saberes e culturas
dos povos do campo, das águas e das florestas e defende a vida.
5)a
centralidade da agricultura familiar e camponesa e de formas tradicionais de
produção e o seu fortalecimento por meio de políticas públicas estruturantes,
como fomento e crédito subsidiado e adequado as realidades; assistência técnica
baseada nos princípios agroecológicos; pesquisa que reconheça e incorpore os
saberes tradicionais; formação, especialmente da juventude; incentivo à
cooperação, agroindustrialização e comercialização.
6)a
necessidade de relações igualitárias, de reconhecimento e respeito mútuo,
especialmente em relação às mulheres, superando a divisão sexual do trabalho e
o poder patriarcal e combatendo todos os tipos de violência.
7)a
soberania energética como um direito dos povos, o que demanda o controle social
sobre as fontes, produção e distribuição de energia, alterando o atual modelo
energético brasileiro.
8)a
educação do campo, indígena e quilombola como ferramentas estratégicas para a
emancipação dos sujeitos, que surgem das experiências de luta pelo direito à
educação e por um projeto político-pedagógico vinculado aos interesses da
classe trabalhadora. Elas se contrapõem à educação rural, que tem como objetivo
auxiliar um projeto de agricultura e sociedade subordinada aos interesses do
capital, que submete a educação escolar à preparação de mão-de-obra minimamente
qualificada e barata e que escraviza trabalhadores e trabalhadoras no sistema
de produção de monocultura.
9)a
necessidade de democratização dos meios de comunicação, hoje concentrados em
poucas famílias e a serviço do projeto capitalista concentrador, que
criminalizam os movimentos e organizações sociais do campo, das águas e das
florestas.
10)a
necessidade do reconhecimento pelo Estado dos direitos das populações atingidas
por grandes projetos, assegurando a consulta livre, prévia e informada e a
reparação nos casos de violação de direitos.
Nos
comprometemos:
1-a
fortalecer as organizações sociais e a intensificar o processo de unidade entre
os trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas,
colocando como centro a luta de classes e o enfrentamento ao inimigo comum, o capital
e sua expressão atual no campo, o agro e hidronegócio.
2-a
ampliar a unidade nos próximos períodos, construindo pautas comuns e processos
unitários de luta pela realização da reforma agrária, pela reconhecimento,
titulação, demarcação e desintrusão das terras indígena, dos territórios
quilombolas e de comunidades tradicionais, garantindo direitos territoriais,
dignidade e autonomia.
3-a
fortalecer a luta pela reforma agrária como bandeira unitária dos trabalhadores
e trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas.
4-a
construir e fortalecer alianças entre sujeitos do campo e da cidade, em nível
nacional e internacional, em estratégias de classe contra o capital e em defesa
de uma sociedade justa, igualitária, solidária e sustentável.
5-a
lutar pela transição agroecológica massiva, contra os agrotóxicos, pela
produção de alimentos saudáveis, pela soberania alimentar, em defesa da
biodiversidade e das sementes.
6-a
construir uma agenda comum para rediscutir os critérios de construção, acesso,
abrangência, caráter e controle social sobre as políticas públicas, a exemplo
do PRONAF, PNAE, PAA, PRONERA, PRONACAMPO, pesquisa e extensão, dentre outras,
voltadas para os povos do campo, das águas e das florestas.
7-a
fortalecer a luta das mulheres por direitos, pela igualdade e pelo fim da
violência.
8-a
ampliar o reconhecimento da importância estratégica da juventude na dinâmica do
desenvolvimento e na reprodução social dos povos do campo, das águas e das
florestas.
9-a
lutar por mudanças no atual modelo de produção pautado nos petro-dependentes,
de alto consumo energético.
10-a
combater e denunciar a violência e a impunidade no campo e a criminalização das
lideranças e movimentos sociais, promovidas pelos agentes públicos e privados.
11-a
lutar pelo reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte e
desaparecimento forçado de camponeses, bem como os direitos de reparação aos
seus familiares, com a criação de uma comissão camponesa pela anistia, memória,
verdade e justiça para incidir nos trabalhos da Comissão Especial sobre mortos
e desaparecidos políticos, visando a inclusão de todos afetados pela repressão.
Nós,
trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas
exigimos o redirecionamento das políticas e ações do Estado brasileiro, pois o
campo não suporta mais. Seguiremos em marcha, mobilizados em unidade e luta e,
no combate ao nosso inimigo comum, construiremos um País e uma sociedade justa,
solidária e sustentável.
Brasília,
22 de agosto de 2012.
Associação
das Casas Familiares Rurais (A
Brasília, 22 de agosto de
2012
(Assinam dezenas de
movimentos sociais, ONGs e outras organizações camponesas)
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